Crescimento econômico e endividamento familiar
Políticas de incentivo ao crédito, consumo e inadimplência
Marcos Antônio de Camargos é doutor em istração, professor de Finanças do Centro Universitário Ibmec-BH e da UFMG
O modelo econômico adotado pelo Brasil desde a estabilização da economia pelo Plano Real tem sido baseado no tripé: superávit primário, câmbio flutuante (sujo) e metas de inflação. Desde então o crescimento econômico tem sido baseado no endividamento das famílias, por meio de políticas de o facilitado ao crédito.
A intensificação da disponibilização do crédito nas últimas duas décadas pode ser dividida em três momentos. No primeiro, iniciado em 2003, ocorreu forte expansão da sua oferta direcionado às pessoas físicas, proporcionada pela regulamentação do consignado (descontado em folha).
No segundo momento, durante a crise da economia brasileira (2015-2016), ocorreu uma redução da sua oferta, que voltou a crescer após sua superação, a partir de 2017, mas em meio a um cenário macroeconômico ainda fragilizado, de baixo crescimento, que veio a se deteriorar com a pandemia do Covid-19.
No terceiro, as medidas adotadas para minimizar os impactos sociais da pandemia resultaram na sua expansão novamente, culminando nos maiores índices de endividamento e de inadimplência da população em anos recentes.
Segundo dados da PEIC-CNC (2024), entre janeiro de 2012 e dezembro de 2024 o percentual de famílias com dívidas a vencer no Brasil aumentou quase 20 pontos percentuais (p.p.), ando de 58,8% para 76,7%, com destaque para o aumento e manutenção observados no período pós-pandemia do Covid-19 (mais de 10 p.p. partir de 2021), enquanto que a inadimplência quase dobrou nesse período, ando de 6,9% para 13%, resultado das variações do nível de emprego, renda e da inflação, que achataram o poder de compra das pessoas.
O aumento da oferta de crédito representa um desafio macroeconômico, pois atua como catalisador da demanda doméstica e do endividamento familiar. Dessa forma, se por um lado, o o ao crédito tem sido uma variável importante para o crescimento da economia brasileira nas últimas décadas, pois, ao aumentar o poder de compra da população, alavanca o consumo e a demanda interna, contribuindo assim, para a expansão das atividades das empresas em determinado período.Por outro, tem agravado um problema social característico da “sociedade do consumo”, que ao ultraar seus limites de dispêndio maximizam o endividamento familiar, que está se tornando elemento estrutural da sociedade brasileira.
Tem-se aí um ciclo vicioso e perigoso, no qual o aumento do poder de compra ocasionado pelo crédito, resulta no aumento do consumo, e por consequência, do endividamento e em situações extremas, na impossibilidade de pagamento (inadimplência), a qual, se for muito elevada, pode gerar uma crise econômica. Diante desse quadro, pode-se dizer que as políticas de incentivo ao crédito, que vem sendo concedido a uma parcela cada vez maior da população têm resultado em níveis preocupantes de endividamento de inadimplência das famílias.
Nesse contexto, a criação de mais uma modalidade de crédito (Crédito do Trabalhador), anunciada recentemente pelo governo federal é uma medida controversa, com impacto limitado e de curto prazo. Tem potencial para aumentar o saldo do crédito e, por consequência, o endividamento familiar, o que, por um lado, pode fomentar o consumo e em certa medida o crescimento econômico, mas por outro, pressionar ainda mais a inflação, que é um dos nossos grandes desafios em anos recentes.
Além disso, considerando o cenário atual de política monetária restritiva adotado pelo Banco Central, pode resultar no aumento da taxa básica de juros da economia (Selic) ou retardar o início da sua queda.