FÁBIO SALDANHA PEIXOTO

Hoje tudo é 'para ontem'

Resultado de deixar de lado tudo o que não se traduz em desempenho

Por Artigo de Opinião
Publicado em 23 de maio de 2025 | 07:00

Fábio Saldanha Peixoto é psicólogo e psicanalista

Basta um clique; um app gerencia sua rotina; metas renovam-se antes mesmo de você respirar. O modelo de vida é ditado por influencers, verdadeiras máquinas de fazer dinheiro que vendem realidades perfeitas em todas as plataformas, sempre imunes a erros e fracassos. Mas quem são eles e o que os define? O desempenho incessante invadiu a mente de cada um de nós. Virou senso comum: “Otimize seu dia, gerencie suas emoções, seja seu próprio chefe”. Mas, no meio desse corre-corre, quem é você de verdade?

Medimos cada ação como se fosse uma meta: curtidas, vendas, horas de estudo, os na esteira. Sem perceber, você se tornou gestor de si mesmo, avaliando cada detalhe da sua vida como um produto a ser otimizado. E aí sobra pouco ou quase nenhum espaço para o que realmente importa: suas dúvidas, suas falhas, seu desejo. 

Desempenho

Tudo o que não se traduz em desempenho acaba ficando de lado. Até o tempo livre se transforma em mais um espaço de consumo, com cursos rápidos, apps e soluções instantâneas que prometem “corrigir” você, relegando o sujeito real ao anonimato da massificação. Veja: para marcar um encontro entre amigos, algo que na juventude era espontâneo, hoje é preciso consultar agendas. Quer dizer: até o lazer foi submetido a essa lógica. Não existe mais descanso. O simples momento de ficar deitado, olhando para o teto do quarto, e permitir-se elaborar aquilo que de fato faz a vida valer a pena torna-se angustiante.

Depressão, ansiedade e dores psicossomáticas (fibromialgia, fadiga crônica e síndromes sem causa aparente) surgem como sinais dessa violência simbólica. São manifestações do cansaço de ter que “dar conta” sempre. São expressões do momento em que vivemos. Porém, a saída mais simples adotada por muitos está na drogaria mais próxima de casa. Veja novamente: não damos nem tempo aos sintomas. Queremos logo adotar a lógica da medicalização, que transforma todo mal-estar em diagnóstico, laudo ou remédio. 

Cada dor sem causa orgânica vira etiqueta clínica; cada sensação de exaustão, um protocolo farmacológico. Aceitamos soluções rápidas porque oferecem alívio imediato. Seguimos a massa para não chamar atenção ou arriscar o vazio do “e agora?”. Tememos a lentidão de olhar para dentro, de encarar o mal-estar.

Direito a ser vulnerável

A cura para isso talvez não esteja em abandonar o indivíduo nesse sistema perverso, mas recuperar o que a sociedade tira dele: o direito de ser vulnerável, de reduzir o ritmo e de viver sem ter que produzir o tempo todo e a toda hora e dar espaços em que a vida faça sentido além da eficiência. Enquanto o sucesso for medido apenas por números de desempenho, continuaremos adoecendo numa sociedade que confunde existir com produzir.

Talvez a solução seja reconhecer que esse vazio é inável e vital e produtor de angústia e dor. Entretanto, é diante dele que você emerge e se destaca da massa, criando algo seu, algo só seu.