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Aborto exige debate mais profundo no país

Urgência de projeto que equipara aborto a homicídio é decidida em 23 segundos

Por Editorial O TEMPO
Publicado em 14 de junho de 2024 | 07:00

Em votação simbólica que durou apenas 23 segundos, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei que equipara a homicídio o aborto após 22 semanas de gestação. Pelo regime de urgência, a proposta irá diretamente a plenário, sem ar por análise das comissões. 

Um tema de implicações sanitárias, legais e sociais tão abrangentes merecia uma reflexão mais aprofundada e consistente dos legisladores. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), todos os anos ocorrem mais de 820 mil casos de estupro no Brasil, sendo que somente 8,5% são denunciados à polícia e 4,2% são identificados nos sistemas de saúde. Uma das explicações para a subnotificação é que pelo menos sete em cada dez estupros são realizados dentro da casa da vítima, por membros da família ou conhecidos.

O aborto é crime definido pelo artigo 124 do Código Penal brasileiro, com pena de 3 a 6 anos de reclusão. Ter sido precedido de estupro é uma das três condições previstas na lei que excluem de punição a prática: as outras duas são quando não há outro modo de salvar a vida da gestante e, mais recentemente julgado pelo Supremo Tribal Federal (STF), no caso de anencefalia do feto. Não há referências ao tempo de gestação para a realização do procedimento.

As condições para uma mulher estuprada retirar o feto legalmente são adversas. Em todo o país, há só 154 postos em unidades de referência de saúde pública para a realização de um aborto legal, sendo que, desse total, 72 estão em capitais. Há também muita incerteza entre os médicos sobre os critérios de punibilidade, o que aprofunda os casos de recusa.

O atual projeto traz ainda mais um motivo para reflexão. A mulher que tenha sofrido violência sexual e provoque ou consinta com o aborto de feto com mais de 22 semanas será punida com 6 a 20 anos de prisão. Já o estuprador terá pena máxima de 12 anos – ou seja, a vítima tem punição mais severa do que a do agressor. 
Para uma questão tão complexa, o que se espera dos legisladores é reflexão e um debate que dure bem mais do que 23 segundos.