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Fabrício Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

OPINIÃO

Só é livre quem pode dizer 'não'

'Carregamos limites, manias, crenças. Não dá para desconsiderar a singularidade de cada um'

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 18 de abril de 2025 | 03:00

 

Eu amo incansavelmente minha esposa.

Porque posso dizer “não” a ela. E ela jamais fica ofendida.

Beatriz tem vida de sobra para não depender de mim.

Agora, na Páscoa, vamos receber em nossa casa uma amiga de São Paulo, a cineasta Anna Lucchese, que adora natureza, cachoeiras e contato com a grama e o mato.

Beatriz me chamou para uma trilha em Lavras Novas.

– Vamos? 

– Jamais. Eu adoro meu travesseiro. Não quero descer ribanceira, escorregar ou me equilibrar em árvores, rezando para chegar logo ao destino, não ando os mosquitos, que têm predileção pelo meu sangue.

– Então tá. Nós vamos sozinhas.

Se minha esposa fosse sacana, criaria culpa em mim: “Vai parecer uma desfeita com a nossa amiga, ela nunca vem para cá, para de ser egoísta”. Lançaria mão de chantagens desse tipo. Mas ela sempre me deixa escolher o que realmente desejo, sem renúncia, sem represália.

Eu me sinto livre. Só é livre quem pode dizer “não”.

E não estou falando do “não” para estranhos ou conhecidos. É o “não” na intimidade.

Pois é difícil e delicado dizer “não” para quem é mais próximo. É raro assumir os próprios interesses diante de quem amamos.

Sofremos no cotidiano familiar por tentar fazer tudo junto. A simbiose acaba sufocando a alegria e o prazer da convivência.

Carregamos limites, manias, crenças. Não dá para desconsiderar a singularidade de cada um.

Beatriz sabe que alguém contrariado só estragará o eio. Boicotará a paisagem, o espetáculo dos pássaros, o frescor da água – e ainda buscará convencer a todos a voltar mais cedo.

Precisamos aprender a dizer “não” para os filhos, para o marido ou a esposa, para o namorado ou a namorada, para os amigos. E entender que isso não muda o relacionamento.

Saúde emocional é permitir a sinceridade sem levar para o lado pessoal, como uma afronta.

É aceitar que um convite não é uma intimação.

Não há mal nenhum em inventar programas separados. No fim, todos estarão mais felizes, cumprindo o lazer a que aspiram em suas folgas.

Não é falta de amor. É prova de amor.

Melhor estar junto em pensamento, e ter saudade, do que se forçar a algo.

A bagagem perversa do casamento é quando tudo vira excursão, comitiva.

Você decide visitar sua mãe e se vê obrigada a incluir o marido, os filhos, a casa inteira. Sacrifica a espontaneidade, as conversas individuais, para manter o jogral desafinado e uma diplomacia litigiosa. Enfrentará o quarto fechado de um, o atraso de outro, a má vontade do terceiro.

Não se devem transformar encontros simples em cabos de guerra.

Isso abre espaço para barganhas sutis – birra, amuo, vingança.

Se seu par for de qualquer jeito, depois ele vai cobrar.

Prepare-se para os juros e para ser constrangido a ir a um evento que você odeia.