O 21 de abril de ontem, Dia de Tiradentes, marcou 40 anos que o Brasil perdeu Tancredo Neves, naquele que foi um dos dias mais agonizantes da nossa história. Partia com ele a esperança de dias melhores, de volta da democracia, de soberania popular, de justiça social e de todos os avanços civilizatórios suprimidos e sufocados pela tirania da ditadura militar.
Foram milhões e milhões de pessoas nas ruas que imprimiram a última derrota ao regime de exceção, além da abnegação de heróis e heroínas que resistiram, muitos com a própria vida, ao período de repressão política. Mas o anseio de mudança ecoado no país foi materializado naquela voz rouca com sotaque do Campo das Vertentes mineiro. As falas de Tancredo encerravam os comícios das Diretas Já, mobilizações gigantescas que anunciavam a nova era.
Vencida a vontade do povo dentro do Parlamento, com a derrota do projeto de eleições diretas, a sabedoria política do mineiro, e de seus aliados, soube alcançar a vitória com sua eleição indireta sobre o candidato da ditadura. E o país começou a planejar seu futuro sob os ares democráticos. Faltando poucos dias para a posse presidencial, que consumaria os desígnios do destino do homem que nasceu para governar seu país, Tancredo era internado para uma cirurgia de emergência. Apreensiva, chorosa e em orações viveu a nação naqueles dias, ainda acreditando que seu líder teria condições de cumprir sua missão.
O desenrolar do enredo é conhecido. Tancredo não resistiu à doença, seu vice José Sarney assumiu e conseguiu, a duras penas, levar o país numa transição até a primeira eleição direta para presidente, a aprovação de uma nova Constituição e a concretização do período que ficou para a história como a “Nova República”. Mas o vazio da ausência de Tancredo dura até hoje.
Da posse do presidente mineiro ficou seu discurso, que já estava preparado, certamente transcrito pelas penas do seu fiel jornalista Mauro Santayana. Por meio dele, podemos ter uma noção de como Tancredo enxergava seu governo, como seria seu mandato, em frases que ficaram para a história, como: “Ao assumir esta enorme responsabilidade, o homem público se entrega a destino maior do que todas as suas aspirações, e que ele não poderá cumprir senão como permanente submissão ao povo”.
Tancredo tinha clareza sobre quem representava e noção concreta do que seria o verdadeiro povo brasileiro: “Quando falamos em povo, não pensamos em uma entidade abstrata, que possa ser eventualmente conduzida em trilhas de equívoco, pelo fanatismo ou pela demagogia. Pensamos no povo como soma de razões e virtudes, que sempre prevalecem, para impor lucidez à história”.
Em seu discurso, Tancredo dizia que não chegara ao poder com o propósito de submeter a nação a um projeto, “mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos ‘democracia’”.
Relendo sua declaração nunca falada, lembrando do presidente que não concluiu sua missão, chego a crer que o fato de o Brasil perder no mesmo dia Tancredo, em 1985, e Tiradentes, em 1792, é uma dádiva da história. Eles são filhos da mesma região, sonharam e dedicaram suas vidas ao Brasil que queriam construir, repleto de justiça e liberdade. Por razões distintas, não completaram seus ideais, mas nunca se curvaram e sempre estiveram do lado certo da história.
Tancredo Neves é mais um inconfidente. Uma nação que perde um homem da sua estatura será eternamente órfã.