Idealizado em 2018, o Memorial dos Direitos Humanos ainda não tem data para sair do papel. O espaço iria funcionar na antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Belo Horizonte, na avenida Afonso Pena, local onde presos da ditadura militar foram torturados, conforme atestam, com base em denúncias, os relatórios da Comissão Nacional da Verdade. Nesta terça-feira (1º de abril), um dia após o golpe militar de 1964 completar 61 anos, movimentos sociais ocuparam o local para pedir a imediata abertura do memorial.
O projeto de transformar o prédio do antigo DOPS é de 2018, do governo de Fernando Pimentel (PT). O Memorial de Direitos Humanos, entretanto, foi criado por uma lei de 2000, do então chefe do Executivo estadual, Itamar Franco. A estrutura do Dops ou por obras, mas não houve avanços significativos nos últimos anos para implementação do museu, de acordo com o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh), Robson Sávio. Em sua avaliação, a proposta está paralisada por falta de recursos para a reforma do local, mas, principalmente, por falta de “vontade política”.
“O prédio é muito cobiçado, porque é um prédio público localizado de forma estratégica. Existe uma pressão de setores conservadores e reacionários dentro de Minas Gerais, que não fazem nenhuma questão de que esse prédio vire o memorial. Também não há nenhuma iniciativa do próprio Estado e de outros agentes públicos no sentido de conseguir, por exemplo, alguma parceria”, avalia.
Por ter funcionado como um centro de repressão na época da ditadura militar, transformá-lo em um espaço de memória e resgate histórico pode servir como um “remédio” para novas gerações e para a população, de uma forma geral, para que os mesmos erros não sejam cometidos, conforme o presidente do Conedh.
“A memória é algo fundamental para que as gerações do presente e do futuro possam valorizar aquilo que foram os ganhos das lutas históricas que aconteceram no Brasil para chegar onde nós chegamos e não itir nenhum tipo de retrocesso.”
Por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), o Governo de Minas disse que está avançando na adequação do edifício para criação do memorial. De acordo com o Executivo estadual, atualmente, estão sendo finalizadas etapas istrativas, assim como a elaboração e conclusão dos projetos Museológico e de Musealização do Memorial. O governo, no entanto, não informou datas para a conclusão do projeto.
“Vale destacar que reformas emergenciais já foram concluídas para garantir a conservação do local, com melhorias estruturais e nas instalações elétricas e hidrossanitárias do prédio, que foi tombado em 2013, no âmbito municipal, e em 2015, no âmbito estadual. Além de valorizar ações de defesa de direitos humanos no espaço, o governo avalia possibilidades de promover projetos culturais no local, dependendo da avaliação junto a órgãos municipais e estaduais de defesa de patrimônio histórico”, informou.
Pesquisa identificou guerra de narrativas sobre o DOPS
Extinto em 1989, o DOPS foi alvo de denúncias de violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil, que teve início em 1964. Entretanto, o lugar acabou se tornando uma disputa de narrativas. Isso porque, por outro lado, agentes negaram as práticas e teriam buscado ocultar provas. Esse embate foi tema da dissertação de Débora Silva, historiadora, pesquisadora na UFMG e gerente de Pesquisa e Acervo do Memorial Brumadinho.
De acordo com Débora, o próprio espaço dá indícios do que ocorreria nos anos de ditadura, como uma sala com isolamento para abafar gritos e uma piscina própria para afogamento. Conforme a pesquisadora, a conjuntura de “guerra de narrativas” acabou contribuindo para que o prédio, em si, também fosse disputado pela memória de diferentes setores da sociedade. Desde que a Constituição de Minas Gerais, de 1989, encerrou o DOPS, ele vem sendo usado como ponto de manifestações. Na própria ocasião do fechamento simbólico do departamento, movimentos sociais se reuniram no local, com um cadeado de isopor grande escrito “tortura nunca mais”.
Prédio tem espaços com isolamento acústico que, conforme pesquisadora, dá indícios do que ocorreria na época da ditadura militar (Foto: Rodney Costa / O TEMPO)
Desde então, houve outras movimentações políticas e sociais, como abertura dos casos do DOPS, tombamento da edificação como patrimônio público e a própria perspectiva de instalação do Memorial de Direitos Humanos.
“A vontade de memória daquele lugar existe desde essa época”, diz Débora, em referência ao ano de fechamento do DOPS. “A guerra de narrativas se coloca do ponto de vista da memória pública sobre a ditadura no Brasil, porque é uma forma de não esquecimento. É uma forma de lembrança e de lutar por justiça, por reparação, e que as pessoas conheçam, porque as pessoas precisam saber que a ditadura aconteceu, que houve tortura e que precisamos saber disso para que não se repita.”
Movimentos sociais pedem abertura do Memorial
Diferentes movimentos sociais de Belo Horizonte ocuparam, nesta terça-feira (1° de abril), o prédio onde funcionava o antigo DOPS. Os manifestantes pedem a abertura do Memorial de Direitos, projeto de 2018 que prevê espaços museográficos e centro de pesquisa sobre a história política do país.
Um dos organizadores da ocupação, Renato Campos explica que o movimento foi idealizado pelo PCR e pela União da Juventude Rebelião (UJR), mas que diferentes movimentos sociais, como de mulheres, sindicais e estudantis, se uniram à causa.
"O intuito é fazer com que essa casa se torne um memorial das vítimas durante a ditadura militar. Aqui teve tortura em Belo Horizonte, várias pessoas e presos políticos aram por aqui, e é um espaço que, hoje, está completamente abandonado pelo governo do Estado", disse Campos.
O metalúrgico aposentado Oraldo Paiva, 74, esteve na ocupação e relatou à reportagem que foi detido na época da ditadura na unidade do DOPS de Belo Horizonte, em um contexto de greve de trabalhadores na década de 1980. Ele não foi torturado na ocasião. Foi vítima, entretanto, em 1969, quando foi preso em São Paulo e ou, por exemplo, por choque elétrico. Paiva foi dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, e também da Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais.
Oraldo Paiva foi detido no antigo DOPS de Belo Horizonte em contexto de greve trabalhista na década de 1980 (Foto: Rodney Costa / O TEMPO)
Em sua avaliação, a ocupação vem como uma das formas de pressionar a criação do memorial. Integrante da Comissão da Verdade dos Trabalhadores de Minas Gerais, Oralvo lembra que há processos no Ministério Público que investigam a participação de empresas privadas e apoio ao golpe de 1964. Nessas ações, há, por exemplo, reivindicação para que essas empresas financiem projetos de centros de memórias.
“Quando você fala de democracia, é mais do que o direito de votar. Democracia é você poder ter condições de resgatar a história e você contar essa história”, defende Oraldo.
Deoesp
Em 1989, com a extinção do DOPS, foi instalado no prédio o Departamento Estadual de Operações Especiais (Deoesp), que funcionou lá até 2008.