Apesar de ter bloqueado temporariamente R$ 1,1 bilhão do Orçamento de Minas Gerais, o governo Romeu Zema (Novo) aumentou as renúncias tributárias em 47,6% desde o início do segundo mandato. Em 2025, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), o governo prevê abrir mão de R$ 22,7 bilhões entre novas renúncias e aquelas já em vigor, isto é, 14,69% da receita corrente estimada. Os dados foram obtidos por O TEMPO em demonstrativos divulgados pela Secretaria da Fazenda.

As renúncias tributárias são benefícios dados por Estados a determinados setores econômicos ao abrir mão de receitas. Os incentivos envolvem desde a isenção até a redução da alíquota de taxas e impostos, como, por exemplo, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação (ITCD).

Entre 2022, último ano do primeiro mandato de Zema, e 2025, as renúncias tributárias saltaram, em termos nominais, de R$ 15,3 bilhões para R$ 22,7 bilhões. As desonerações previstas pela LOA para este ano superam os orçamentos de secretarias, como, por exemplo, de Educação, Saúde e Segurança Pública, que tinham, até o contingenciamento anunciado no último sábado (19 de abril), R$ 19,4 bilhões, R$ 12,2 bilhões e R$ 4,2 bilhões, respectivamente.

O salto de 47,6% foi alavancado pelos benefícios fiscais de IPVA, que, entre a redução da alíquota para as locadoras de automóveis e isenções, cresceram 193%. Há três anos, a desoneração para o setor alcançava R$ 1,4 bilhão, mas, neste ano, conforme previsão da LOA, deve chegar a R$ 4,1 bilhões. Deste montante, R$ 3,9 bilhões correspondem à redução da alíquota cobrada excepcionalmente de veículos alugados e revendidos de 4% para 1%.

Durante o período, o crescimento das renúncias tributárias superou o aumento da receita arrecadada por Minas Gerais. Enquanto as desonerações saltaram 47,6%, a receita corrente avançou 30,34%. Em 2022, este valor era de R$ 118,5 bilhões e, em 2025, o previsto é de R$ 154 bilhões - a receita corrente diz respeito à arrecadação do Estado antes da dedução das transferências constitucionais a que os municípios têm direito.

Em setembro de 2024, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) questionou o aumento das renúncias durante a análise do balanço de 2022. À época, o ex-deputado estadual e conselheiro Agostinho Patrus alertou que os valores se aproximavam do mínimo constitucional que o Estado deveria investir em educação e saúde, que é de, respectivamente, 25% e 12% da receita corrente líquida. 

Zema atribui bloqueio a ‘inflação descontrolada’ sob Lula

Em nota, o governo Zema atribui o bloqueio temporário de R$ 1,1 bilhão à política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “O Decreto 49.025 foi motivado pela previsão de queda na arrecadação estadual, decorrente do cenário previsto de recessão e inflação descontrolada e também por decisões recentes do governo federal, que vetou artigos do Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados (Propag), que aumentaram a previsão de despesas do Estado em R$ 2 bilhões”, justifica.

Um dos trechos do Propag previa que a União honrasse os empréstimos contratados por Estados junto a bancos e instituições multilaterais. A medida valeria para Estados que migrassem do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para o Propag, como, por exemplo, fará Minas Gerais, já que o benefício é previsto no RRF. Ao vetá-lo, Lula argumentou que a exceção “ampliaria o impacto fiscal do Propag para a União”.

Em crítica velada ao Planalto, o governo Zema aponta que o congelamento, que, segundo ele, deveria ser recorrente em todas as gestões, “infelizmente é negligenciado por vários governantes, que optam por exceder os gastos públicos, prejudicando a população, ao deixar de realizar o planejamento sério de suas despesas”. “O objetivo da atual gestão, ao implementar tal medida, é impedir que as contas retornem ao estado de calamidade em que estavam no início de 2019”, emenda.

O Palácio Tiradentes lembra que o contingenciamento pode ser revisto a qualquer momento, conforme “análises das contas públicas e da previsão econômica”. “Em 2024, por exemplo, a atual gestão fez contingenciamento e descontingenciamento. Em anos anteriores, inclusive durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19, o governo também realizou contingenciamentos, visando o equilíbrio das contas públicas, e a garantia de recursos para as áreas mais essenciais”, explica.

O governo Zema ainda pontua que, “mesmo vivendo uma delicada situação fiscal”, o Estado tem feito “investimentos recordes”. De acordo com o Palácio Tiradentes, Minas Gerais, pela primeira vez, alcançou o “marco histórico de 665 cidades com 100% do território coberto pelas equipes da atenção primária à saúde” e, desde 2020, a Polícia Civil ganhou “1.148 novas viaturas”, e a Polícia Militar, “123 veículos” no último mês de fevereiro.    

RRF prevê redução de 20% de renúncias tributárias

Embora o governo Zema planeje aderir ao Propag, o RRF, programa ao qual o Estado está vinculado desde dezembro de 2022, prevê, como uma das contrapartidas, a redução de ao menos 20% dos “incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais dos quais decorram renúncias de receitas”. Segundo a Lei Complementar 159/2017, a contenção deveria ser feita já nos três primeiros anos de adesão, “à proporção de, no mínimo, ⅓ ao ano”.

O salto de 47,6% nas renúncias tributárias vai de encontro à contrapartida exigida pela RRF, cuja adesão de Minas Gerais foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2024. Em termos proporcionais, o volume de desonerações também cresceu em relação à receita corrente, saindo de 12,97% em 2022 para 14,69% em 2025. O aumento foi de 1,72 ponto percentual, superior ao bloqueio temporário de 0,8% anunciado.

O Palácio Tiradentes não respondeu por que as isenções cresceram mesmo diante da exigência do RRF, assim como não se posicionou sobre o aumento das renúncias tributárias ao longo do segundo mandato de Zema mesmo diante da situação fiscal delicada. O espaço segue aberto. Tão logo o governo se posicione, a reportagem será atualizada.