VISIBILIDADE NACIONAL

Zema faz 30 ataques em 60 dias em narrativa contra Lula e o STF 1i4k19

Levantamento de O TEMPO revela ofensiva coordenada do governador nas redes; Mudança se consolidou após última visita do presidente a Minas 1f3r1k

Por Mariana Cavalcanti
Publicado em 24 de maio de 2025 | 06:00
 
 
Candidatura de Zema à Presidência é vista pelo Novo como fundamental para que o partido atinja a cláusula de barreira na Câmara dos Deputados Foto: Gil Leonardi/Imprensa MG

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), tem adotado um padrão em sua comunicação nas redes sociais. O que antes eram críticas pontuais ao governo federal, majoritariamente veiculadas no X (antigo Twitter) e replicadas no Instagram, ou a ser uma estratégia estruturada de oposição direta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Partido dos Trabalhadores. Levantamento feito por O TEMPO identificou que, em cerca de dois meses, Zema publicou aproximadamente 30 conteúdos no feed do Instagram com esse teor, além de diversos stories, que desaparecem em 24 horas, e posts no X.

A guinada de tom nas redes ocorre enquanto Zema tenta se firmar como nome da direita para 2026. Cotado ao lado de nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o de Goiás, Ronaldo Caiado (União), o chefe do Executivo mineiro adotou uma postura de confronto direto. Enquanto isso, Tarcísio, por exemplo, tem mostrado buscar o diálogo com o governo Lula e chegou, inclusive, a elogiá-lo em agenda conjunta.

Segundo interlocutores do Novo, a candidatura de Zema à Presidência também é vista como fundamental para que o partido atinja a cláusula de barreira na Câmara dos Deputados em 2026, exigência legal que garante o a recursos públicos e tempo de TV aos partidos. Isso, porque o fortalecimento do nome de Zema na disputa pelo Planalto ajudaria na eleição de mais deputados federais pelo país. 

A virada na estratégia digital de Zema começou no início de 2025, quando o Novo trocou o responsável pelo marketing de seus políticos: saiu o marqueteiro Leandro Groppô, que coordenou a eleição de 2018, e entrou Renato Pereira, publicitário que já trabalhou com os ex-governadores Sérgio Cabral (RJ) e Aécio Neves (MG). Desde então, o visual das redes também mudou: vídeos com gráficos, trilhas sonoras, uso de inteligência artificial, montagens e fotos profissionais aram a embalar as críticas a Lula e os elogios à própria gestão.

A mudança se consolidou principalmente após a visita do presidente da República à fábrica da Stellantis, em Betim, em março. A ocasião foi marcada por trocas de farpas entre Lula, Zema e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Desde então, os posts se tornaram praticamente diários.

O governo de Minas e o Novo não responderam sobre quem paga pela produção dos vídeos. Mas, segundo apurou O TEMPO, o trabalho é realizado por uma agência contratada pelo partido.

Comparar gestões é foco principal de Zema 3u6761

A narrativa central das publicações mais recentes de Romeu Zema (Novo) parte do contraste entre sua istração em Minas e a atual gestão federal. A ideia é convencer que, ao assumir o Estado, em 2019, Zema herdou um cenário de salários atrasados, desemprego e alto endividamento, legado atribuído por ele ao governo de Fernando Pimentel (PT). Desde então, sua equipe tem se esforçado para destacar a recuperação fiscal e o pagamento dos servidores em dia como conquistas que o credenciariam a enfrentar crises nacionais. 

A tentativa de mostrar uma “Minas nos trilhos” acontece mesmo diante de um aumento de quase 45% da dívida de Minas com a União durante os dois mandatos do governo Zema. No início do primeiro mandato, o valor era R$ 114 bilhões e, agora, chega a cerca de R$ 165 bilhões. Além disso, o governo estadual enfrenta constantes protestos de servidores, insatisfeitos com salários e outras questões diversas.

Enquanto isso, as publicações nas redes sociais de Zema seguem uma lógica clara: apresentam um problema nacional – por exemplo, a alta dos preços dos alimentos – e, em seguida, destacam ações ou indicadores positivos do governo mineiro.


Do humor ao tom sombrio

Entre os formatos usados por Zema, uma das principais apostas recentes tem sido o uso da inteligência artificial, inclusive com pitadas de humor. Um dos vídeos mais recentes mostra o governador comentando, durante entrevista, sobre seu jeito “caipira”, mas com a imagem e a voz editadas para que ele pareça um bebê falando, em uma trend popular nas redes sociais. Em outra publicação que viralizou, Zema aparece em uma montagem segurando um "bebê reborn" com o rosto do presidente Lula. A legenda diz: "Vendo bebê reborn governo Lula. Custa caro, apertou faz caquinha, mas finge ser fofo."

Nem todos os vídeos seguem esse padrão humorístico. Há também postagens com tom mais sério e institucional, em que Zema aparece em entrevistas ou discursos. Na maioria, entretanto, prevalece a estratégia de comparar ações do governo de Minas com a situação nacional, especialmente em temas como economia, segurança e serviços públicos. 

Um dos vídeos mais recentes publicados por Zema traz o governador falando diante de um fundo preto, com tom mais sombrio, afirmando que “no Brasil, os criminosos muitas vezes estão dentro do governo. É por isso que o Estado brasileiro decidiu não combater o crime”. A fala é bastante semelhante à do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, divulgada dois meses antes, em que ele menciona a suposta infiltração de criminosos em governos da América Latina. No Brasil, as políticas de segurança pública são compartilhadas entre os entes federativos, mas as Polícias Civil e Militar estão sob responsabilidade direta dos governos estaduais.

Estratégia digital segue a lógica de visibilidade contínua 5d184e

A estratégia digital do governador Romeu Zema (Novo), com publicações quase diárias que criticam o governo federal e destacam feitos da gestão em Minas, segue uma lógica narrativa e se encaixa em um cenário ainda mais amplo de posicionamento permanente. Essa é a avaliação dos especialistas ouvidos por O TEMPO, que veem na atuação de Zema um retrato das novas formas de fazer política nas redes sociais, um ambiente cheio de oportunidades, mas também de riscos calculados.

Para o cientista político Camilo Aggio, essa atuação se insere na lógica da “campanha permanente”, conceito que, segundo ele, já não se restringe ao marketing tradicional. “Na era das plataformas digitais, as campanhas não param. O sujeito que quer disputar um cargo precisa estar em visibilidade constante. A comunicação de campanha hoje é ininterrupta”, afirma. Ele lembra que essa estratégia foi decisiva, por exemplo, para o sucesso eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018, quando o então deputado já fazia campanha digital ativa, enquanto a elite política ainda esperava o calendário oficial.

Já o marqueteiro Paulo Vasconcelos destaca que construir imagem fora do período eleitoral é necessário, mas não suficiente. “Existem dois tipos de pré-candidatos hoje: os que são muito conhecidos, mas que lá na frente têm pouco a oferecer, e os que são pouco conhecidos, mas têm conteúdo. Esses segundos precisam construir visibilidade. Os primeiros, se não tiverem uma boa entrega para mostrar, acabam ficando no caminho”, analisa Vasconcelos.

O marqueteiro ainda reforça que “ninguém ganha eleição com seguidores” e critica a ilusão de que a simples presença digital garante votos. “Nas majoritárias, eu nunca vi isso acontecer. A rede social é um ambiente muito frágil: se você não impulsionar, não chega a ninguém. Tudo acontece ali sem consistência. Se a pessoa não te segue, não vai ser impactada. Por isso, o que vale mesmo é o quanto você consegue sair da bolha e ampliar sua área de impacto”, conclui.