O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou para esta quarta-feira (6) uma reunião de emergência com o chanceler Mauro Vieira e o embaixador Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais. Na pauta do encontro, marcado para às 18h30 no Rio de Janeiro, está a decisão de Nicolás Maduro em anexar parte da Guiana. Na terça-feira (5), ele anunciou uma série de medidas para acelerar a tomada do território de Essequibo, que é rico em petróleo e corresponde a 70% da Guiana.
Autoridades brasileiras e de outros países da região estão no Rio para a reunião do Conselho do Mercado Comum do Mercosul, que ocorre no Museu do Amanhã. Na chegada ao evento, Mauro Vieira disse à agência Reuters nesta quarta-feira que, apesar do aumento das tensões entre Venezuela e Guiana, não vê riscos de um conflito armado entre os dois países que fazem fronteira com o Brasil.
Também nesta quarta-feira, o ministro da Defesa, José Múcio, afirmou que a região da tríplice fronteira em Roraima, está “garantida” pelas Forças Armadas – e não será usada por tropas venezuelanas para invadir a Venezuela.
Mas, ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa anunciou reforço de militares em Roraima, na fronteira com Guiana e Venezuela. Após a unidade de Pacaraima, a cidade mais perto da Venezuela, ganhar mais 60 militares – até então tinha 70 – o Exército brasileiro vai enviar 28 veículos blindados para a região. São eles:
- Guarani (6): viatura blindada de transporte de pessoal, anfíbia e com capacidade para transportar até 11 militares; tem proteção antiminas, sob as rodas, couraça e assentos individuais; e proteção balística composta de blindagem contra tiros de 7,62 mm e estilhaços de granadas de artilharia 155 mm.
- Cascavel (6): tem um canhão 90 mm e duas metralhadoras 7,62 mm, sendo uma antiaérea e outra coaxial ao canhão; conta ainda com 6 lança-fumígenos. Blindagem protege de contra projétil perfurante 7,62mm à 100m (ângulo de 90º) e projétil comum 7,62mm à 50m (ângulo de 90º).
- Guaicurus (16): viaturas blindadas multitarefa – leve sobre rodas (VBMT-LSR) 4X4 LMV-BR batizada foi "Guaicuru" em homenagem à tribo do Centro-Oeste brasileiro.
Seguem com equipamentos de 130 a 150 homens, que serão incorporados à 1ª Brigada de Infantaria de Selva, que tem cerca de 5 mil homens. Com isso, o esquadrão da vai se tornar regimento. O Exército já havia planejado reforçar a região, para combater principalmente o tráfico de drogas, mas aproveitou a conjuntura envolvendo os vizinhos para dar mais infraestrutura para proteger as fronteiras e evitar que ocorra qualquer ação em território nacional.
Além de mexer com a Guiana, a cruzada de Maduro por Essequibo ameaça o equilíbrio político e econômico de todo continente, além de respingar nos Estados Unidos e na França.
Maduro já mobilizou tropas. Mas, para entrar em Essequibo por terra, os militares venezuelanos têm que atravessar território brasileiro. Por isso, o Brasil decidiu mandar mais homens e até blindados para Roraima.
Nicolás Maduro ignora até os apelos de velhos aliados, como Lula, que, em entrevista coletiva no fim de semana, durante a COP-28, em Dubai, pediu “bom senso” e deixou claro que a disputa. Ele disse que vai visitar a Guiana em 2024.
Maduro exibe novo mapa da Venezuela com território de Essequibo
Nicolás Maduro anunciou na terça-feira uma lei para Assembleia Nacional criar o Estado de Guiana Essequiba. A província surgiria da anexação do território de Essequibo. Sob denúncias de fraudes e com baixa adesão, o referendo realizado pelo regime chavista no domingo (3) aprovou medidas para tomada da região, que fica na fronteira com o Brasil.
E antes mesmo que parlamentares venezuelanos coloquem em votação sua lei, Maduro criou, também na terça-feira, a Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba, nomeou um general como “única autoridade” da área e e ordenou que a petrolífera estatal PDVSA conceda licenças para a “extração imediata” de recursos naturais na região. Para tal, criou a PDVSA-Essequibo.
“Que procedamos imediatamente à concessão de licenças operacionais para a exploração de petróleo, gás e minas em toda a área”, disse Maduro em discurso na Assembleia Nacional da Venezuela. Ele ainda mandou publicar e divulgar nas escolas e universidades do país um novo mapa da Venezuela, que inclui a Guiana Essequiba como parte do território.
Maduro também pediu a implantação de um plano de “atenção social” para a população da região disputada, “assim como a realização de um censo e a entrega de cédulas de identidade a seus habitantes”. Ou seja, os 125 mil moradores de Essequibo vão se tornar cidadãos venezuelanos. Terceiro menor país sul-americano, que se tornou independente da Inglaterra em 1966, a Guiana tem 800 mil habitantes.
As medidas de Maduro para anexar a região de 160 mil quilômetros quadrados – pouco maior que o estado do Ceará –, que a Venezuela reivindica há mais de 200 anos e pertence à Guiana, é vista pela comunidade internacional como ato para encobertar a crise econômica da Venezuela, fomentar o nacionalismo e tirar o foco das próximas eleições presidenciais, marcadas para 2024, que até os países aliados, como o Brasil, cobram para serem mais justas e transparentes que as anteriores.
Guiana vai acionar Conselho de Segurança da ONU
Na terça-feira, o presidente da Guiana, Irfaan Alí, reagiu imediatamente às medidas de Maduro para incorporar o território de Essequibo.
“Esta é uma ameaça direta à integridade territorial, à soberania e à independência política da Guiana”, disse Ali. Ele anunciou que levará “o assunto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que o organismo adote as medidas apropriadas”. Também afirmou que entrou em contato com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o Comando Sul dos Estados Unidos.
O plebiscito e outras medidas realizadas por Maduro não mudam em nada o litígio que a Guiana e a Venezuela mantêm sobre a região na Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais alta instância judicial das Nações Unidas (ONU).
Caracas argumenta que o rio Essequibo é a fronteira natural, como em 1777 quando era colônia da Espanha, e apela ao acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que estabelecia as bases para uma solução negociada e anulava um laudo de 1899, que fixou os limites atuais. A Guiana defende esse laudo e pede que seja ratificado pela CIJ.
Maduro quer suspender concessões da Guiana a petroleiras
A disputa por Essequibo reacendeu depois que a companhia norte-americana ExxoMobil descobriu grandes reservas de petróleo na região, em 2015. O cenário piorou quando a Guiana autorizou, em outubro, seis empresas petrolíferas – incluindo a Exxon e a sa TotalEnergy –, a explorarem petróleo na região.
A Guiana tem as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, enquanto a Venezuela tem as maiores reservas absolutas, mas sua capacidade de produção caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia devido ao colapso da PDVSA, que viu a capacidade de produção despencar por causa da falta de investimento, com a crise econômica que assola todos os setores do país.
Estima-se que na Guiana haja reservas de 11 bilhões de barris de petróleo. A parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Um consórcio liderado pela Exxon Mobil começou a produzir petróleo na costa da Guiana no final de 2019, e as exportações começaram em 2020. Isso levou a Guiana a se tornar o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos em números econômicos.
Sabendo das licenças para extração de petróleo em Essequibo, Maduro marcou o plebiscito realizado no último domingo. E, em meio às medidas anunciadas na terça-feira, Maduro propôs uma lei especial para “proibir” a contratação destas empresas petroleiras que operam sob concessões concedidas pela Guiana. “Proponho [dar] três meses a todas essas empresas para se retirarem dessas operações no mar a delimitar, três meses”, disse. No entanto, afirmou, “estamos abertos a conversar”.
Maduro acusa EUA de estimular ‘provocação’ da Guiana
Em outubro, ao saber das concessões da Guiana para exploração de petróleo em Essequibo, Maduro acusou os Estados Unidos de incentivarem a Guiana a provocar a Venezuela. Ele agrediu verbalmente o governo do país vizinho e mandou recados ameaçadores a Washington.
“Tiraram o presidente da Guiana do cargo, porque ontem ele disse que os EUA têm as tropas prontas para fazer uma guerra contra a Venezuela”, afirmou Maduro na noite de segunda-feira (4). “Fazem uma promessa à Guiana, encorajam-na a fazer uma provocação contra a Venezuela e depois a deixam sozinha. Aconselho os EUA [a ficarem] longe daqui. Deixem que Guiana e Venezuela resolvam esse assunto em paz. Fora daqui”, declarou Maduro em seu programa na TV estatal venezuelana.
No entanto, não há registro de que o Irfaan Ali tenha feito declarações sobre ajuda militar americana. Tampouco há informações sobre a mobilização de tropas dos EUA para apoiar a Guiana.
Exército da Venezuela é quase 40 vezes maior do que o da Guiana
Em caso de conflito armado, a Guiana não teria a mínima chance de combater as forças venezuelanas de forma equilibrada. Suas Forças Armadas são na verdade uma Força de Defesa semelhante a um dispositivo policial, com contingente 40 vezes menor que o de militares do Exército da Venezuela.
A diferença entre os orçamentos militares dos dois países também é enorme. Os gastos militares da Guiana não am de US$ 90 milhões anuais. Os venezuelanos gastam o equivalente a US$ 4,8 bilhões por ano.
- A Venezuela tem cerca de 140 mil militares na ativa, somando o contingente do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Há ainda mais 30 mil na reserva, segundo o relatório Global Firepower 2023.
- O regime de Nicolás Maduro ainda conta com 220 mil milicianos, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres.
- Desde 1998, quando Hugo Chávez assumiu o poder, a Venezuela ou a receber equipamentos militares russos e chineses.
- As Forças Armadas venezuelanas aparecem na 52ª posição no ranking da Global Firepower 2023 das maiores forças militares do planeta. Já as tropas da Guiana nem são listadas.
- A Força de Defesa da Guiana tem 4.150 soldados espalhados pelo Exército, Corpo Aéreo, Guarda Costeira e Milícia Popular da Guiana, além de reservistas.
- Desde 2000, a Guiana recebeu pequenas quantidades de equipamento militar do Brasil, China e Reino Unido.