BRASÍLIA - O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) usava dinheiro para manter empresas dele e entidades sociais “de fachada”, segundo a Polícia Federal, que deflagrou uma operação na manhã desta sexta-feira (25) contra o parlamentar e assessores dele.
Além do deputado, outras 17 pessoas ligadas a ele foram alvos da operação da PF – não havia mandado de prisão. O grupo é investigado pelos crimes de associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e peculato-desvio.
“Como não poderia deixar de ser, tratando-se de cota parlamentar, a figura central da organização não podia ser outro senão o membro do legislativo, ou quem lhe faça as vezes. No caso concreto, identificou-se com nitidez que Gustavo Gayer era quem dava a última palavra (autoria intelectual)”, escreveu o delegado responsável pelo relatório do caso.
Gayer mantinha, em um espaço locado e pago pela Câmara em Goiânia, uma escola de inglês e uma loja com produtos da linha bolsonarista do parlamentar, ainda conforme a PF.
Tais artigos consistiam em camisetas, bonés e artigos para casa, como canecas, com o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e slogans usados por ele. A maioria dos produtos tinha as cores verde e amarela. Muitos vinham com imagens da bandeira do Brasil.
O imóvel alugado por R$ 6,5 mil mensais, pagos por meio de cota parlamentar, dinheiro público, no momento tem na fachada bandeiras do Brasil e banners com o nome e o rosto de Gustavo Gayer. Mas, dentro, há estrutura de escola e loja, segundo a PF.
O aluguel do espaço custa R$ 6,5 mil mensais, pagos por meio de cota parlamentar, dinheiro público. Oficialmente se trata de um escritório político, onde Gayer e assessores receberiam apoiadores e políticos, entre outras pessoas.
'A gente está pregando uma coisa e vivendo outra', diz assessor em mensagem
Durante a investigação, a PF interceptou, com autorização judicial, mensagens trocadas entre um dois assessores de Gayer. Em um diálogo, ao qual a equipe de O TEMPO em Brasília teve o, eles externam a preocupação com o desvio da finalidade da verba parlamentar.
“Ou seja, a escola tá sendo paga com recurso público e tá sendo usada pra um fim totalmente que tipo num existe, né. Num tem como ser assim e aí eles vão levando ou seja ainda não entenderam a gravidade, sabe. Moço, pra esse povo já ter alguém ali na porta fiscalizando... filmando... vai ser igual o caso aquela mulher do O Popular na Assembleia… senhora, senhora, senhora. Num tem jeito vei, o povo vai pra cima mesmo”, disse João Paulo de Sousa Cavalcante, assessor do deputado.
Ele se referia a uma reportagem de 2015, exibida pela TV Anhanguera, afiliada da TV Globo de Goiás e integrante do mesmo grupo do jornal O Popular, que viralizou nas redes sociais. Na época, uma repórter pediu explicações a uma funcionária pública que havia batido ponto e deixado o trabalho, mas a mulher fugiu. A repórter então correu atrás dela dizendo: “Senhora? Senhora?”.
“O Gustavo hoje ele é uma vidraça, ele é um alvo e se for pra cima, moço, infelizmente a gente tá tipo errando nesse sentido, a gente tá pregando uma coisa e vivendo outra... infelizmente a gente tem muitas coisas erradas acontecendo aí”, completou o empresário amigo do deputado, reconhecendo a gravidade das irregularidades agora apontadas pela PF e que culminaram na operação desta sexta-feira.
João Paulo de Sousa Cavalcante já foi alvo de uma das etapas de investigação da PF que apura quem incentivou, participou e financiou os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas por apoiadores de Jair Bolsonaro, que não aceitavam a derrota dele nas urnas e queriam uma intervenção militar para impedir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O assessor de Gustavo Gayer foi preso e teve o celular apreendido. A PF disse que no aparelho do assessor foram colhidos “elementos informativos do desvio de recursos públicos para a prática dos atos antidemocráticos, prática levada a efeito conjuntamente com Gustavo Gayer”. O deputado também é investigado no inquérito dos atos de 8 de janeiro.
Ainda de acordo com a PF, Gayer contratou uma empresa de marketing de Cavalcante, a Goiás Online, com dinheiro de cota parlamentar, a qual reou R$ 8 mil mensais.
O contrato, segundo a PF, era uma forma de o deputado pagar o “amigo” pelos serviços como assessor, pois ele não poderia exercer um cargo na Câmara porque tinha uma pendência na Justiça Eleitoral desde 2020 que o tornou inelegível.
“O deputado federal Gustavo Gayer estava disposto a contratar João Paulo de Sousa Cavalcante para a função de secretário parlamentar e que tal contratação não foi possível diante da inexigibilidade de João Paulo em razão de ter tido prestação de contas eleitoral julgada omissa”, diz a PF no relatório do caso.
Organização social estava em nome de crianças de 1 e 9 anos
A PF também diz ter provas de que Gayer e assessores criaram uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) para receber verba pública por meio de emendas parlamentares.
O deputado comprou, por meio de assessores, uma associação que estava inativa e pretendia qualificá-la como Oscip para receber verbas destinadas por ele. A negociação custou R$ 6 mil e foi paga diretamente por Gayer, conforme a PF. No quadro social da entidade, havia nomes de crianças de 1 e 9 anos.
Apenas Oscips com mais de 10 anos de atuação podem receber verbas da Câmara dos Deputados. Por isso, segundo a PF, Gayer e assessores teriam falsificado documentos para mostrar que a associação que adquiriram tinha tal idade.
A operação desta sexta foi batizada como Discalculia – nome dado a transtorno de aprendizagem relacionado a números – “porque foi identificada falsificação na ata de assembleia da constituição da organização social”, segundo a PF.
“Os associados de Gustavo Gayer tentaram, por ao menos duas vezes, sob seu mando, alterar o nome da associação para IDISE – Instituto de Desenvolvimento & Investimento Socioeducacional, mediante atas de assembleia geral ordinária ideologicamente falsas, com objetivo de realizar alteração contratual”, diz trecho da representação enviada ao STF para a conquista dos mandados de busca e apreensão.
“Foi possível observar ainda que, nas tentativas de alterações do estatuto social, houve a intenção de acrescentar o objetivo expresso de captação de recursos públicos por meio de emendas parlamentares, editais e chamamentos públicos”, completa o texto da PF. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, emitiu 19 mandados de busca e apreensão para serem cumpridos em quatro cidades de Goiás: Goiânia, Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás e Aparecida de Goiânia.
A criação da Oscip foi tema de mensagens entre os dois assessores de Gayer que também falaram da preocupação sobre o uso de dinheiro público para manutenção da escola de inglês e da loja em Goiânia.
“Ou a gente tenta conseguir uma associação que já esteja pronta pra gente tentar reformular a associação e dar andamento nas pautas, entendeu? Talvez seja mais fácil que uma do zero. Mas aí teria que ver como que a gente consegue uma associação já pronta, se tem viabilidade ou não”, escreveu um dos assessores nas mensagens recuperadas pela PF.
‘Acordo às 6h com a porta sendo esmurrada pela PF’, disse deputado
Durante cumprimento de mandado de busca e apreensão nesta sexta, agentes encontraram mais de R$ 70 mil em dinheiro na casa de um assessor de Gayer. O deputado teve o celular apreendido. Após ser alvo de buscas, ele publicou um vídeo atacando Alexandre de Moraes.
“Hoje, dia 25 de outubro, dois dias antes das eleições do segundo turno, eu acordo às 6h com a porta sendo esmurrada pela PF. Eu sofri busca e apreensão determinada pelo Alexandre de Moraes, um inquérito sigiloso. O que eu sei até agora é [que] o inquérito foi aberto no mês ado, em 24 de setembro, mas não dá para saber de nada. Sei que alguns assessores meus também receberam”, disse Gayer no vídeo divulgado por meio de redes sociais.
“Esse é o Brasil que a gente está vivendo agora, é surreal o que estamos vivendo. Onde isso vai parar? Vieram à minha casa, levaram meu celular, HD, essa democracia relativa está custando caro para o nosso país. Eu não sei o por quê estão sofrendo busca e apreensão, numa sexta-feira, dois dias antes das eleições, claramente tentando prejudicar o meu candidato Fred Rodrigues (PL)”, prosseguiu o deputado.
Gayer faz campanha para Fred Rodrigues na disputa pela prefeitura de Goiânia. Ele enfrenta Sandro Mabel (União Brasil). Fred tem o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, enquanto Mabel é o candidato do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
Inicialmente, o candidato de Bolsonaro em Goiânia era Gustavo Gayer, que teria Fred como vice em sua chapa. Gayer desistiu da candidatura a pedido de Bolsonaro e de outras lideranças do partido.
“Vieram na minha casa, levaram meu celular, HD, meu SSD. Essa democracia relativa está custando caro para o nosso país. Alexandre de Moraes determinou essa busca e apreensão agora, aqui no documento não fala o porquê. Numa sexta-feira, sendo que a eleição é no domingo”, prosseguiu o deputado no vídeo após ser alvo de buscas da PF.
“Vamos ver qual a narrativa que eles vão criar. Qual vai ser a desculpa? Qual motivo eles inventaram? Qual a acrobacia jurídica para, na sexta-feira antes da eleição do domingo, mandarem a Polícia Federal na minha casa”, completou o parlamentar.
Em outro momento do vídeo, Gustavo Gayer afirmou que Alexandre de Moraes transformou a PF em “jagunços de um ditador”.
“Não estou acreditando que essa corporação que a gente tanto irou, que a gente tanto tentou proteger, hoje viraram jagunços de um ditador. Sinceramente, esse é o momento que a gente começa a perder a esperança, mesmo”, disse o deputado.