BRASÍLIA - O ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha afirmou, nesta terça-feira (27), que o órgão “não tinha certeza absoluta”, até a manhã do dia 8 de janeiro de 2023, sobre os planos de manifestantes que estavam acampados em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Na tarde do mesmo dia, houve a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes.
Ele depôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) como testemunha do ex-ministro da Justiça Anderson Torres no âmbito da ação penal sobre a suposta trama de golpe de Estado. Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no 8 de janeiro, mas estava em viagem aos Estados Unidos com a família.
Segundo Saulo, a Abin soube que os manifestantes sairiam em marcha em direção à Esplanada dos Ministérios após uma assembleia dos acampados realizada às 8h50 do dia 8, e reou o alerta ao Ministério da Justiça. Ele ressaltou que não sabe se o aviso foi enviado para outros órgãos porque, depois, “perde o controle” da informação”.
“Até a manhã do dia 8, nossos analistas não tinham a convicção se haveria uma decisão de deslocamento para a Espanada”, disse. “As nossas fontes nos informaram que às 8h50 houve uma assembleia [entre os acampados] e aí sim foi decidido que a manifestação seguiria para a Esplanada”, frisou. Ele afirmou que o alerta informou a "marcha" dos manifestantes a partir das 13h.
A dúvida, segundo ele, era sobre uma outra possibilidade de ato direcionado ao comando do Exército no sentido de pressionar pela adesão a “algum tipo de ato antidemocrático”, especialmente porque “não havia nenhuma autoridade na Esplanada”, onde ficam os prédios invadidos.
Segundo o ex-diretor, a Abin emitiu alertas de inteligência sobre a movimentação nos acampamentos a partir de 2 de janeiro. Os avisos eram protocolados no Sistema Brasileiro de Inteligência, formado por forças de segurança federais.
"Os primeiros alertas indicavam a convocação da manifestação para o dia 8. Eu diria que entre o dia 2 e o dia 5, nós estávamos monitorando essas convocações. Até o dia 5, estávamos com informações de que a adesão era relativamente baixa, mas alguns deles começaram a aparecer em grupos mais extremistas da internet, com convocações para adesão a essas manifestações, inclusive para ações violentas", afirmou.
Ele completou: "Até o dia 6, nós não tínhamos capacidade de avaliar o tamanho da manifestação. Mais importante era avaliar o ânimo e a qualidade dos manifestantes. No final do dia 6 para o dia 7, nós percebemos que essa manifestação teria algum tipo de porte e as convocações, especialmente nas redes mais extremistas, já indicavam para invasão de prédios públicos e depredações".
Foi nesse momento que, como relatou, a Abin "já tinham pelo menos informações de que a manifestação seria de médio para grande porte".
Até a véspera dos atos, Saulo contou que apenas a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) emitiu alertas à Abin sobre o deslocamento de ônibus com manifestantes para Brasília. "Nenhum outro órgão estava nos remetendo informações sobre caravanas. Do dia 6 para o dia 7, nós amos a receber informações da ANTT de aumento da adesão dos ônibus", declarou.
"No dia 7, 25 ônibus estavam na Granja do Torto. Quando acordamos no domingo [dia 8], recebemos a informação de que já havia mais de 100 ônibus. O nosso primeiro alerta do dia 8 é de que a manifestação já ganhava porte. Em 100 ônibus, são quase 5 mil pessoas. Juntado os acampados, seria uma manifestação de grande porte", relatou.
A partir desse momento, ele relatou que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e outros órgãos de segurança "estavam informados". O contato com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal foi somente em 7 de janeiro, por meio sa Subsecretaria de Inteligência.
Saulo Moura da Cunha deu as declarações em depoimento na ação que apura o suposto plano de golpe de Estado que visava manter Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota em 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Primeira Turma do STF ouviu nesta terça-feira testemunhas de defesa de Anderson Torres, que era o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal em 8 de janeiro e havia sido ministro da Justiça no governo Bolsonaro.
Os depoimentos foram prestados ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo na Corte. Entre as outras testemunhas indicadas pela defesa de Torres, estão delegados da Polícia Federal (PF) e ex-integrantes da Secretaria de Segurança Pública do DF, como a coronel Cíntia Queiroz de Castro, subsecretária de Operações Integradas da pasta, responsável operacional pelos protocolos de ações dos órgãos de segurança.
Outro nome indicado por Torres é Alessandro Moretti, outro ex-diretor da Abin, e os delegados Djairlon Henrique Moura e Leo Garrido de Salles.
Até agora, o STF ouviu testemunhas de acusação indicadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), além de testemunhas de Mauro Cid (ex-ajudante de ordens), Walter Souza Braga Netto (general, vice na chapa de Bolsonaro), Alexandre Ramagem (deputado federal, PL-RJ); Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional).
Torres foi preso em 14 de janeiro de 2023, por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Quatro meses depois, ele foi solto e, desde então, é monitorado por tornozeleira eletrônica.