-
Ex-prefeita de cidade mineira é condenada a quase 40 anos de prisão por desvio de dinheiro público
-
'Careca do INSS' entra na Justiça para não ser mais chamado pelo apelido
-
Política em Minas e no Brasil - Brasília, Congresso, ALMG, Câmara de BH e os bastidores
-
Comandante da Marinha pede para não depor em inquérito que apura suposta trama golpista
-
Parlamentares apontam que PEC da Segurança Pública é inconstitucional por ferir autonomia de Estados
Moraes vota para tornar réus aliados de Bolsonaro acusados de espalhar fake news
Primeira Turma do STF julga nesta terça-feira (6) grupo de militares da reserva e civis acusados de participação na tentativa de golpe de Estado
BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou na tarde desta terça-feira (6) por tornar réus sete acusados de integrar o chamado “núcleo da desinformação”, o “núcleo 4” da suposta tentativa de golpe de Estado articulada após as eleições de 2022.
Entre eles estão militares acusados de orquestrar ataques em massa contra os chefes das Forças Armadas contrários ao golpe, além de integrantes da chamada Abin paralela e de grupos que espalhavam desinformação sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, provocando instabilidade social favorável ao plano de golpe.
'Estrutura da Abin foi usada com viés político', destaca Moraes
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a denúncia da PGR mostra que a finalidade da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) foi desvirtuada no governo de Jair Bolsonaro, sendo a sua estrutura utilizado com “viés político”.
O magistrado citou que o agente da Polícia Federal Marcelo Araújo e Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército, sob o comando de Alexandre Ramagem, então diretor da Abin, usavam ferramentas do órgão para pesquisar e divulgar notícias falsas sobre opositores do grupo político.
“Abin não investiga pessoas ou fatos típicos. Essa função é da Polícia Federal. Para construir ataques virtuais, os acusados se valiam indevidamente das estruturas oficiais. As investigações revelaram uma estrutura paralela na Abin, com viés político, em grave desacordo às regras do Estado democrático de direito”, destacou.
Segundo Moraes, as investigações mostram conversas entre Marcelo e Giancarlo, por meio de aplicativos de mensagens, com alvos que deveriam ser “pesquisados” por Giancarlo. Em seguida, de acordo com a denúncia da PGR, eles divulgavam notícias fraudulentas por meio de perfis falsos, e o núcleo político da suposta trama golpista divulgava para a imprensa.
“Funcionava como uma lavagem de dinheiro, mas para lavar notícias falsas produzidas pelo grupo”, comparou Alexandre de Moraes, ao detalhar como operava o núcleo responsável pela desinformação e ataques virtuais.
Durante pronunciamento de seu voto, o ministro do STF enfatizou que esse grupo foi responsável também pelos ataques virtuais aos comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, e ao general Tomáz Bastos, que não aderiram ao suposto plano de tentativa de golpe de Estado.
Entenda a denúncia da PGR
A denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas foi apresentada em 18 de fevereiro. O órgão dividiu os investigados em cinco grupos de atuação. O fatiamento visa facilitar o julgamento, permitindo a análise separada dos diferentes grupo.
Os acusados do núcleo 4 julgados nesta terça-feira são:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros: Major da reserva do Exército, foi citado em mensagens interceptadas pela PF por defender a ruptura institucional e propor medidas para impedir a posse de Lula.
Ângelo Martins Denicoli: Também major da reserva, é apontado como um dos articuladores de conteúdos conspiratórios e de apoio a intervenções militares. - Giancarlo Gomes Rodrigues: Subtenente acusado de atuar na organização de campanhas digitais com ataques ao STF e ao processo eleitoral.
- Guilherme Marques de Almeida: Tenente-coronel da reserva, envolvido em grupos de difusão de desinformação e teorias golpistas.
- Reginaldo Vieira de Abreu: Coronel da reserva vinculado a articulações contra o reconhecimento da vitória de Lula.
- Marcelo Araújo Bormevet: Policial federal que teria utilizado canais oficiais para espalhar dúvidas sobre a integridade das eleições.
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha: Presidente do Instituto Voto Legal, organização citada por propagar falsas alegações sobre fraudes eleitorais, com influência sobre setores militares e bolsonaristas.
No julgamento desta terça, a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, defendeu a abertura da ação penal. Ela disse que os integrantes do núcleo 4 compõem uma “organização criminosa estruturada” que trabalhou para manter Jair Bolsonaro no poder.
Segundo Cláudia, os denunciados não apenas apoiaram o plano de ruptura institucional, como também exerceram funções orquestradas voltadas à abolição violenta do Estado democrático de direito.
“Todos tinham consciência e agiram no sentido de alcance do objetivo comum que era exatamente depor o governo e não permitir que o presidente legitimamente eleito exercesse o mandato, mas manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no exercício do poder”, afirmou ela.
A análise da denúncia será feita pela Primeira Turma do STF, composta por Moraes (relator dos inquéritos sobre os supostos atos golpistas), Cristiano Zanin (presidente do colegiado), Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia. O julgamento está previsto para ocorrer nesta terça e quarta-feira (7), mas a expectativa é que se encerre no primeiro.
Se a Corte aceitar a denúncia da PGR, os investigados arão à condição de réus em ação penal e deverão apresentar defesa prévia no prazo de cinco dias. Na sequência, será iniciada a fase de instrução criminal, com produção de provas, oitiva de testemunhas e eventual interrogatório dos acusados.
Advogados alegam falta de provas
Os advogados dos sete acusados alegaram falta de provas do envolvimento dos clientes na suposta tentativa de golpe de Estado.
A defensora pública Erica de Oliveira Hartmann falou em nome de Ailton Gonçalves Moraes Barros. Ela argumentou que o militar não sabia das articulações golpistas e nem poder decisório sobre o plano de golpe.
“Por sua história pessoal, ao ser excluído das Forças Armadas em 2008, não tendo carreira pública posterior, pouca ou nenhuma influência tinha sobre os militares”, argumentou.
A defensora alegou também que as mensagens obtidas da investigação “parecem muito mais desabafos entre pessoas conhecidas do que pessoas combinando crimes”.
“O acusado conhecia alguns militares em razão de ter sido também militar, mas daí a concluir que com os demais se associou é estender demais o vínculo que entre eles existia”, completou.
Erica afirmou também que a PGR não indicou como ele contribuiu para a disseminação de notícias falsas.
O advogado Zoser Plata Bondim Hardman de Araújo, que representou o major Ângelo Denicoli, ressaltou que o cliente não produziu nenhum documento relacionado à tentativa de golpe.
O defensor disse que PGR tem adotado um tratamento “diferenciado” entre personagens que se encontram na mesma situação, como o influenciador argentino Eder Balbino, que foi indiciado, mas não denunciado por Paulo Gonet.
“Colocá-lo [Ângelo Denicoli] em um contexto de participação em organização criminosa voltada à disseminação de desinformação exigiria, no mínimo, que ele tivesse produzido algum material nesse sentido — o que não consta no processo”, argumentou Plata. “Não se pode tratar de forma diferente pessoas que estão na mesma situação fática”, completou.
Ângelo Denicoli é apontado pela PF como “elo do grupo criminoso com o influenciador Fernando Cerimedo”. Denicoli alimentava uma nuvem com materiais para o influenciador, que divulgou um dossiê em novembro de 2022, em uma live no YouTube, com informações falsas sobre o sistema de votação brasileiro, segundo a investigação.
A PF não conseguiu apurar se o argentino só buscava engajamento ou sabia dos planos golpistas. Também segundo a PGR, Alexandre Ramagem contava com ajuda de Denicoli desde a fase preparatória da trama golpista e, segundo o tenente-coronel Mauro Cid, o major integrava um grupo empenhado em encontrar fraudes nas urnas eletrônicas.
‘Muito difícil um pai atacar um filho’, alega advogado
Representando Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal, o advogado Melilo Diniz disse que o cliente teve participação na criação da urna eletrônica, por isso não a atacaria, como disse a PGR. “Muito difícil um pai atacar um filho”, alegou sobre Carlos, contratado pelo Partido Liberal (PL) para prestar uma consultoria à legenda na análise da segurança e confiabilidade do equipamento.
Segundo a PF, um mesmo conteúdo falso publicado por Fernando Cerimedo serviu para embasar a representação eleitoral protocolada pelo PL que pediu verificação extraordinária das urnas após o segundo turno das eleições 2022. Em troca de mensagens, Rocha foi informado por Éder Balbino, da empresa Gaio, contratada para dar e técnico à análise, sobre inconsistências nos dados que tentava usar para embasar possível fraude, mas ele se apoiou na alegação falsa.
Etapas do processo
Com a eventual aceitação da denúncia, os acusados responderão como réus por cinco crimes apontados pela PGR. São eles: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Durante a fase de instrução, serão reunidas provas, ouvidas testemunhas e realizados interrogatórios. Ao final, o relator do processo elabora seu voto e libera o caso para julgamento do colegiado.
As penas somadas podem chegar a 43 anos e quatro meses de prisão. Com abertura de uma ação penal, outro trâmite será iniciado. Na fase de instrução, serão reunidas provas, ouvidas testemunhas e realizados interrogatórios. Ao final, o relator do processo elabora seu voto e libera o caso para julgamento do colegiado.
Após a liberação do caso por Alexandre de Moraes, a Primeira Turma se reunirá novamente para decidir pela absolvição ou condenação de cada réu. Em caso de condenação, os ministros definirão as penas individualmente, com base nos crimes cometidos.
Núcleos já julgados e situação atual
A denúncia do núcleo 4 é parte de um inquérito mais amplo, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, que apura diferentes frentes da tentativa de subversão do resultado eleitoral de 2022. Outros dois núcleos já foram julgados pelo STF.
O primeiro foi o chamado núcleo principal, onde estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general da reserva Walter Braga Netto e Mauro Cid. Outro grupo já julgado pela Primeira Turma foi o núcleo 2, dos quais fazem parte o ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques e o ex-assessor de Assuntos Internacionais do governo Bolsonaro Filipe Martins.
A análise do núcleo 4 avança agora sobre os responsáveis pela sustentação digital e ideológica da tentativa de golpe, revelando conexões entre setores militares, redes sociais e grupos políticos extremistas. O julgamento do núcleo 3, que ocorreria em 8 e 9 de abril, foi transferido para 20 e 21 de maio.
Após esse grupo, restará somente o julgamento contra o empresário Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho. Ele é neto do ex-presidente João Figueiredo, que governou durante o regime militar. O denunciado está no exterior e foi notificado por edital para apresentar defesa.
A denúncia
A investigação iniciou após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas. No decorrer da apuração, a Polícia Federal identificou elementos que indicavam a existência de um plano articulado para um golpe de Estado. Entre eles estavam:
Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
Investigações da PF mostram que Bolsonaro tinha conhecimento da operação chamada “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o uso de explosivos e veneno para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além do plano “Copa 2022”, que previa capturar Moraes.
Descrédito das urnas
A PF lista uma reunião realizada entre Bolsonaro e a cúpula do Executivo, em julho de 2022, na qual ele teria convocado os integrantes do governo a agirem antes das eleições para disseminarem fake news sobre as urnas. O encontro aconteceu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.
A PF afirma que, no encontro, outros integrantes do governo, como o ministro da Justiça, Anderson Torres, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, do GSI, Augusto Heleno e o secretário-geral da Presidência em exercício, Mário Fernandes, propagaram mentiras sobre fraudes nas eleições.
Questionamento da lisura do processo eleitoral
O documento lista ainda a representação eleitoral apresentada pelo PL, após o segundo turno, com dados inconsistentes para questionar o resultado de mais de 200 mil urnas só no segundo turno. A PF aponta que o documento foi apresentado à Justiça Eleitoral com conhecimento de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
Carta dos oficiais militares
Os agentes federais também citam que tiveram ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. A investigação aponta que o documento teve a anuência do ex-presidente.
Minuta de golpe
Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “minuta do golpe”, que previa a ruptura institucional para impedir a posse de Lula. O documento havia sido impresso no Palácio do Planalto, sede do governo federal.
O arquivo, segundo os investigadores, determinava a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.
Conforme a PF, Bolsonaro convocou uma reunião em dezembro de 2022 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta, buscando respaldo para um golpe de Estado. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a proposta, enquanto o da Marinha, Almir Garnier, demonstrou apoio.