BRASÍLIA - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10) e negou a existência de uma suposta tentativa de golpe de Estado em 2022.
Ele afirmou ainda que não era o único a criticar as urnas eletrônicas e disse que usava a retórica contra o sistema eletrônico de votação desde 2012. Na ocasião, ele leu antigas declarações do ministro do STF Flávio Dino e do presidente do PDT, Carlos Lupi, para dizer que políticos de esquerda também criticavam o processo eleitoral.
Bolsonaro foi o quarto réu a depor no segundo dia de interrogatórios dos integrantes do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” da suposta trama golpista contra Lula.
A Primeira Turma julga a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), que aponta que Jair Bolsonaro teve papel central na suposta tentativa de ruptura institucional. A denúncia foi aceita pelo STF em março.
Os réus respondem por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.
Confira os principais pontos do depoimento de Bolsonaro:
'Minuta do golpe'
Durante seu depoimento, Jair Bolsonaro negou ter editado a "suposta minuta do golpe". "Não procede o enxugamento", declarou Bolsonaro.
Na segunda-feira (9), o tenente-coronel Mauro Cid confirmou, em seu depoimento, que o então presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e editou a chamada “minuta do golpe”, que poderia ser usada para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Ele enxugou o documento, retirando as prisões. Apenas o senhor [Moraes] ficaria preso”, disse Cid, que era ajudante de ordens na ocasião.
Pedido de desculpas
Ao ser questionado por Alexandre de Moraes sobre denúncia de que ele e outros integrantes do STF receberam milhões para prejudicar seu governo, Jair Bolsonaro pediu desculpas ao magistrado.
“Quais eram os indícios que o senhor tinha que nós estaríamos levando U$S 50 milhões, U$S 30 milhões?”, perguntou Moraes.
“Não tem indícios nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fosse outros três ocupando teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores três", respondeu Bolsonaro.
A gravação da reunião ministerial, encontrada em computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é uma das provas da Polícia Federal (PF) na investigação que resultou na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra uma suposta organização criminosa para tentar um golpe de Estado em 2022.
'Quer ser meu vice?'
Apesar do clima tenso, Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes mantiveram o bom humor durante o depoimento. O ex-presidente Jair Bolsonaro brincou e convidou o ministro do STF a ser seu candidato a vice-presidente na eleição presidencial de 2026. "Eu declino", respondeu Moraes.
'Maior vaia da história'
No depoimento, Jair Bolsonaro disse que não ou a faixa presidencial ao presidente Lula na posse do petista, em 1º de janeiro de 2023, para não tomar uma vaia.
Ao negar que tenha havido algum planejamento de ações golpistas após as eleições de 2022, ele afirmou que não tinha “mais nada a fazer” após a derrota para Lula no segundo turno.
“Não havia da nossa parte procurar, não existia essa vontade, o sentimento de todo mundo era que não tínhamos mais nada a fazer, entubar o resultado das eleições. O senhor pode me perguntar: por que não ou a faixa? Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil”, disse.
Tropas à disposição
Ainda durante o depoimento, Jair Bolsonaro negou a declaração do ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) Batista Júnior de que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier tenha colocado suas tropas à disposição do governo no caso de uma possível tomada de poder à força.
"Não existe isso. Se fôssemos prosseguir no estado de sítio ou de defesa, as medidas seriam outras, na ponta da linha, outras instituições envolvidas. Não tinha clima, não tinha oportunidade, não tínhamos base minimamente sólida para fazer qualquer coisa. Só foi conversado hipóteses constitucionais, tendo em vista o TSE ter fechado as portas pra gente, com aquela multa”, disse, referindo-se ao pagamento de R$ 22 milhões impostos ao Partido Liberal, do qual é presidente de honra.
Atos do 8 de janeiro
Jair Bolsonaro criticou as atribuições de que os atos de 8 de janeiro tenham sido uma tentativa de golpe de Estado liderada por ele em 2023. O ex-presidente considerou como exagero o tratamento do caso e às penalidades atribuídas a quem já foi julgado pelos atos.
“Fico até arrepiado quando se fala que o 8 de janeiro foi [um] golpe. Mil e quinhentas pessoas [presas], uns pobres coitados. Cem ônibus chegaram no setor militar urbano. Esse pessoal foi embora logo depois da baderna. Aquilo não é golpe, não foi encontrada uma arma de fogo”, alegou Bolsonaro.
“O sr. me desculpe, seu ministro, mas eu não consigo entender certas penas para as pessoas que não sabiam o que estavam fazendo naquele momento”, disse depois, referindo-se aos julgados e condenados por invasão e depredação dos edifícios-sede dos Três Poderes.
'Malucos ficam com ideia de AI-5'
Jair Bolsonaro afirmou, no depoimento, que "malucos" pediam intervenção militar e negou ter incentivado qualquer movimentação antidemocrática em 8 de janeiro de 2023.
"Tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas... que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali", disse o ex-presidente.
Vídeos negados
O ministro Alexandre de Moraes negou o pedido da defesa de Jair Bolsonaro para exibir pelo menos 11 vídeos durante o depoimento. Os advogados do ex-presidente haviam preparado uma série de gravações em que políticos questionavam a confiabilidade do sistema eletrônico de votação brasileiro. O ex-presidente chegou a ler trechos dos vídeos durante o depoimento.
Entre os materiais selecionados pela defesa estava um vídeo de 2010 descrito como "Flávio Dino acusa fraude no sistema eleitoral após perder eleição para governador no Maranhão". Dino, que não venceu as eleições naquele ano, conseguiu eleger-se governador em 2014, cargo que ocupou até 2022.
PGR apontou Bolsonaro como líder de organização criminosa
Jair Bolsonaro virou réu em 26 de março, por decisão unânime da Primeira Turma do STF contra o chamado “núcleo crucial” do suposto plano golpista. Ele foi apontado pela denúncia como líder de uma organização criminosa que agiu para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em 2022. A estratégia era manter Bolsonaro, que foi presidente de 2019 a 2022, no poder.
O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, apontou que Bolsonaro iniciou uma estratégia de divulgação de notícias falsas para desacreditar a segurança das urnas eletrônicas entre seus eleitores e incitou integrantes do governo e das Forças Armadas a aderirem a uma narrativa de questionamento do sistema eleitoral.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, citou a conclusão da PGR de que o ex-presidente proibiu o então ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira, de tornar pública a conclusão da comissão das Forças Armadas de que não havia fraude nas urnas.
Gonet ainda declarou que Bolsonaro sabia do suposto plano criminoso “Punhal Verde e Amarelo”, articulado para ass autoridades brasileiras, como Lula, Moraes e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), e participou de discussões sobre a suposta minuta de golpe para se manter no poder.
Ao defender Bolsonaro no recebimento da denúncia, o advogado Celso Vilardi alegou que os crimes apontados na denúncia são "impossíveis", especialmente porque na época dos fatos apontados, o governo "legitimamente eleito" era comandado justamente pelo ex-presidente.
Quando virou réu, Bolsonaro disse que a intenção do Judiciário é tirá-lo da eleição presidencial – mesmo estando inelegível por outras condenações - e afirmou ser alvo de um “teatro processual”. Repetidamente, perguntou: “Eu sou golpista?”. “Parece que existe algo pessoal contra mim. A acusação é muito grave, e são acusações infundadas”, acrescentou.