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Cid diz que Bolsonaro mandou fraudar cartões, impressos e entregues no Alvorada
Os cartões falsificados foram impressos no Palácio da Alvorada e entregues nas mãos ao então chefe do Executivo nacional, segundo Cid e PF
A investigação da Polícia Federal (PF) aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) "mandou" o seu então ajudante de ordens Mauro Cid Barbosa a fraudar comprovantes de vacinação contra Covid-19 em nome dele e da filha Laura Firmo Bolsonaro, então com 11 anos. Os dados falsos sobre imunização foram feitos com ajuda de servidores da Prefeitura de Duque de Caxias, como se ambos tivessem recebido doses na cidade da Baixada Fluminense.
Já os cartões foram impressos no Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência da República, e entregues nas mãos ao então chefe do Executivo nacional. As informações, que haviam sido dadas por Mauro Cid em acordo de delação firmado com a PF, foram comprovadas por peritos na investigação que resultou no indiciamento de Bolsonaro, seu ex-ajudante de ordens e mais 15 pessoas.
Caso o Ministério Público Federal (MPF) acate, eles vão responder à Justiça pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema público, que rendem até 12 anos de prisão, além de multa, conforme o código penal. Ao contrário de Cid, Bolsonaro sempre negou a fraude. O procurador geral da República, Paulo Gonet, tem 15 dias para se manifestar sobre o caso.
A equipe de O TEMPO em Brasília teve o à conclusão do inquérito, que contém 231 páginas e perdeu o sigilo nesta terça-feira (19) após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele detalha a investigação, com trechos de depoimentos e cópias de documentos que os investigadores apresentaram como provas.
Duas das páginas narram a confissão de Mauro Cid sobre a fraude que ele disse favorecer Bolsonaro e Laura. O ex-ajudante de ordens, que é coronel do Exército, afirmou ter sido procurado pelo então presidente após saber que ele tinha cartões de vacinação contra a Covid-19 em seu nome, da mulher e das três filhas, mesmo dizendo que nenhum deles nunca havia recebido dose alguma.
Ainda segundo Cid, Bolsonaro pediu que tudo fosse da mesma forma fraudulenta, com inserções de informações falsas no sistema do Ministério da Saúde. Cumprindo a ordem, o então ajudante de ordens contou ter procurado Ailton Gonçalves Barros, ex-major do Exército que concorreu a deputado estadual no Rio de Janeiro pelo PL em 2022.
"QUE o presidente, após saber que o COLABORADOR possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o COLABORADOR fizesse para ele também; QUE o expresidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, LAURA BOLSONARO; QUE o COLABORADOR solicitou a AILTON que fizesse os cartões; QUE o COLABORADOR confirma que pediu os cartões do expresidente e sua filha LAURA BOLSONARO sob determinação do ex-presidente JAIR BOLSONARO e que imprimiu os certificados; QUE solicitou a inserção de dados no sistema CONECTESUS de sua esposa, filhas, expresidente JAIR BOLSONARO e de sua filha, LAURA BOLSONARO", diz um dos trechos do inquérito.
Assim como já havia feito para Cid e família, Barros enviou os dados de Bolsonaro e Laura ao secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha, que usou suas senhas para inserir informações fraudulentas no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), do Ministério da Saúde. Os beneficiados pela fraude nem precisariam dos cartões físicos de vacinação, podendo imprimi-los quando e onde quisessem.
Após ser comunicado do sucesso da fraude, Cid narrou que, por meio do CenecteSUS, imprimiu os comprovantes de vacinação em nome de Bolsonaro e Laura em uma impressora do Palácio da Alvorada e os entregou pessoalmente ao seu então chefe. Cid contou ainda que teve o cuidado de imprimir os cartões com em português e inglês, porque sabia da intenção de Bolsonaro em usá-los para uma viagem aos Estados Unidos nos últimos dias do seu mandato, para não ar a faixa presidente a Luiz Inácio Lula da Silva (PL). À época, assim como a maioria dos países, os EUA exigiam comprovante de vacinação contra Covid-19.
Peritos conseguiram recuperar arquivos dos cartões fraudados
Com as informações de Cid, a PF conseguiu chegar a quem inseriu dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Na operação Venire, desencadeada em maio de 2023, agentes apreenderam a impressora que teria sido usada por Cid para imprimir os cartões de Bolsonaro.
"De acordo com o Recibo de Entrega de Discos Rígidos encaminhado pela Diretoria de Tecnologia do Palácio do Planalto, a referida impressora estava instalada na Ajudância de Ordens do Palácio do Alvorada, residência do então Presidente da República JAIR BOLSONARO", diz trecho do relatório da PF.
Como havia dito Cid, os arquivos estavam em dois arquivos, com os seguintes nomes: “Certificado de Vacinação Covid-19” e “Covid 19 National Vaccination Certificate”. Os peritos imprimiram os arquivos e obtiveram novas cópias dos cartões em nome de Bolsonaro e Laura. Também conseguiram comprovar que os s foram feitos dias antes e na própria data da viagem de Bolsonaro a Orlando, na Flórida, segundo relatório entregue ao STF.
Foram quatro emissões, sendo três em 22, 27 e 30 de dezembro de 2022. O ex-presidente embarcou para os Estados Unidos com a família em um avião da FAB em 30 de dezembro, horas depois do o ao sistema, ainda de acordo com a PF.
Confira abaixo ponto a ponto a investigação que resultou no indiciamento de Bolsonaro e mais 16 pessoas.
Quais são os crimes investigados pela PF?
Os fatos investigados configuram em tese os crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
Quem teve os dados de vacinação incluídos no ConectSus?
De acordo com o inquérito da PF, foram forjados dados do ex-presidente Jair Bolsonaro; a filha dele, Laura, à época com 12 anos; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; a mulher, Gabriela Santiago Cid; as três filhas de Mauro Cid; além de Max Guilherme Machado de Moura e Sergio Rocha Cordeiro, ambos assessores e seguranças de Bolsonaro.
A participação de Mauro Cid no esquema
- Na época que a operação foi deflagrada, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva, em Brasília e no Rio de Janeiro. Nesse contexto, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid foi preso.
- Ele é apontado como o principal articulador da fraude em cartões de vacinação contra a Covid-19. Ainda em maio do ano ado, durante depoimento à PF, o tenente-coronel ficou em silêncio sobre o caso. Mas, a mulher dele, Gabriela Santiago Cid, itiu que usou certificado falso.
Como funcionou o esquema
- Os documentos apontavam que essas pessoas haviam sido vacinadas em Duque de Caxias, apesar de nenhuma delas morarem na cidade da Baixada Fluminense. O deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), que é irmão do ex-prefeito da cidade Washington Reis (MDB), foi apontado como intermediador dessa fraude.
- Eles teriam pedido a João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias, para inserir informações falsas no sistema do SUS sobre vacinação contra Covid-19, em meio à pandemia.
- Em 22 de dezembro de 2022, as doses foram registradas por João Carlos no sistema como se tivessem sido aplicadas em Duque de Caxias, entre agosto e outubro de 2022. O secretário foi preso à época.
- E, de acordo com a PF, em 27 de dezembro, os dados relativos a Bolsonaro e Laura foram excluídos do sistema de Duque de Caxias pela servidora Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva.
Outro registro de vacinação, dessa vez em SP
A PF, com base em levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), identificou ainda um terceiro registro de vacina no nome de Bolsonaro – este, uma dose da Janssen supostamente aplicada em São Paulo.
Segundo a PF, quando Bolsonaro viajou para os EUA, essa era a vacina que constava em seu comprovante de vacinação. A CGU descobriu que a dose, supostamente aplicada em São Paulo em 19 de julho de 2021, só foi incluída no sistema do Ministério da Saúde em 18 de outubro de 2022.
Bolsonaro sempre disse ser contra vacina
Na época da operação desencadeada pela PF, Bolsonaro afirmou em entrevistas que nunca se vacinou contra Covid-19 e que não houve adulteração nos registros de saúde dele e da filha. ele também já havia dito que não permitiria que Laura fosse vacinada.
Ao longo de sua gestão, Bolsonaro se recusou a informar se tomou a vacina contra a Covid-19. Questionado por meio da Lei de o à Informação, o governo impôs um sigilo de até 100 anos aos dados sob a justificativa que isso se referia à vida privada do então presidente.
Em janeiro do ano ado, um grupo de hackers divulgou um cartão de vacinação que supostamente seria de Bolsonaro. Nele constava o registro de uma dose da vacina contra a Covid-19, que teria sido aplicada em uma unidade de saúde em São Paulo em 19 de julho de 2021. Era o mesmo já alvo de investigação da CGU.
Assim como Bolsonaro, Cid e outros ex-assessores próximos do ex-presidente atacaram as vacinas contra Covid-19. Chegaram a dizer inclusive que elas, em vez de proteger, deixavam sérias sequelas, principalmente em crianças. Também eram contra medidas de isolamento social.