Adeus

Emocionada, Rosa Weber evita balanço de seu mandato e se despede do STF

Vanguardista como representante feminina na magistratura e relatora de processos com impacto social, a ministra se aposenta em 2 de outubro ao completar 75 anos

Por Hédio Ferreira Júnior
Publicado em 27 de setembro de 2023 | 18:39

Depois de 12 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), um deles no comando da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra Rosa Weber participou, nesta quarta-feira (27) da sua última sessão deliberativa na Casa. Normalmente sucinta em suas falas, Rosa, visivelmente emocionada, fez uma leitura mais demorada em sua despedida.

A ministra homenageou diretamente os próximos presidente e vice-presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Ressaltou a defesa da igualdade de gênero nos tribunais - assinada por ela esta semana no CNJ -, a defesa da democracia frente aos ataques de 8 de janeiro e depois se direcionou a um por um dos demais ministros com quem conviveu na atual gestão. 

“A luta que se travou é ado. O desafio é a próxima. Por mais sonhos que realizemos, muitos restarão a realizar. Um o é véspera do seguinte. Um o é só parte do caminho”, disse, ao citar o compositor e escritor gaúcho Jerônimo Jardim.

“E eu vou continuar caminhando nesse novo ciclo que inicia, sempre com essa casa e todos em que nela habitam no meu coração”, finalizou, sendo aplaudida de pé por todo o plenário. Em seguida, o decano - ministro mais antigo no STF -, Gilmar Mendes, discursou em homanagem à ministra.

Decisões até domingo

Ao completar 75 anos de idade na próxima segunda-feira (2), Rosa Weber se aposenta, mas segue podendo tomar decisões até lá, inclusive, nos casos que entrarem na pauta de julgamento do plenário virtual nesta sexta-feira (29).

Como determinado, os votos publicados de ministros que se aposentem ou deixem o tribunal por outra questão no decorrer do julgamento permanecem validados e contabilizados - ainda que haja pedido de vista ou de destaque que leve a pauta ao plenário físico, como foi o caso da descriminalização do aborto. Nesses casos, seu sucessor não votará.

Trajetória da ministra

Nascida em Porto Alegre, Rosa Weber é a primeira mulher magistrada de carreira da história a se tornar ministra do STF. Aos 28 anos, ingressou na magistratura, em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Cinco anos depois, tornou-se juíza-presidente, função que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre. 

Em 1991, chegou ao cargo de juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Corte que presidiu entre 2001 e 2003, depois de ser corregedora regional. Ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), Rosa chegou em 2004, sendo efetivada como ministra em 2006. A magistrada também foi professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), entre 1989 e 1990, nas disciplinas de direito do trabalho e processo do trabalho. 

No STF

Então ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Rosa chegou ao STF em 2011 por indicação da então presidente Dilma Rousseff. Sua gestão na presidência da Corte começou em setembro de 2022 e deveria durar dois anos, como previsto no regimento, mas será interrompida pela sua aposentadoria. 

Nesse período, a ministra comandou a reação institucional do STF aos atos de 8 de janeiro, com a reconstrução do edifício-sede, invadido e depredado, permitindo que se realizasse a sessão do ano do Judiciário no plenário no primeiro dia de volta do recesso, em menos de um mês dos ataques.

Sob seu comando, o Supremo analisou casos de grande repercussão nacional, como a validade do chamado "orçamento secreto"; a constitucionalidade do indulto concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao então deputado Daniel Silveira; a possibilidade de aplicação da tese do marco temporal na demarcação de áreas indígenas; além da ação que impede a aplicação da tese da "legítima defesa da honra" em casos de feminicídios no tribunal do júri. 

Também foi responsável por colocar em pauta no plenário a ação que identificou a omissão do Congresso ao estabelecer o tamanho das bancadas dos estados na Câmara; a ação penal contra o ex-presidente Fernando Collor; a ação contra lei da Bahia que estabelecia uma espécie de marco temporal de áreas de quilombolas; e o início do julgamento da descriminalização do aborto e do porte de maconha para consumo pessoal. Cabe à Presidência da Corte determinar o que vai entrar na pauta de votação. 

Como relatora de processos em tramitação na Corte, Rosa deu parecer sobre a descriminalização do aborto e da ação que estabelecia um tipo de marco temporal de terras quilombolas. 

No recesso de julho deste ano, Rosa comandou uma série de viagens pelo país em visitas a presídios, apresentando uma retomada de mutirões carcerários no Brasil para melhorias nos presídios - proposta que se tornou cara a ela nesse final de mandato.  

Veja abaixo as homenagens dos ministros à presidente do STF:

Luís Roberto Barroso (vice-presidente do STF)

“A Ministra Rosa Weber teve uma carreira impecável na Justiça do Trabalho e no Supremo Tribunal Federal. Presidiu a Justiça Eleitoral de modo firme e extremamente competente. Relatou processos de grande repercussão e, com imensa habilidade, obteve a aprovação de emendas regimentais importantíssimas. Por onde ou, mostrou sua competência, sempre com doçura e personalidade cativante. Num dos momentos mais dramáticos para o país, após atos covardes contra as instituições, liderou a reconstrução do plenário do STF. Deixa, assim, sua marca entre as grandes figuras da história do Brasil”.

Gilmar Mendes (decano)

“A gestão da Ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal foi marcada por uma atuação firme e competente. Em um dos momentos mais conturbados e desafiadores da história da Corte, nossa Presidente lutou bravamente em defesa da democracia, que permaneceu inabalada. Menos de um mês após os ataques antidemocráticos, com o Plenário restaurado, fomos testemunhas da resiliência e da tenacidade de Sua Excelência na garantia de que absolutamente nada seria capaz de constranger, obstruir ou demover o STF do cumprimento de sua missão constitucional. Seu compromisso com a defesa incansável dos direitos fundamentais também é facilmente percebido nos relevantes casos que foram pautados e julgados neste ano de 2023, nas necessárias reformas regimentais, na retomada do projeto dos ‘mutirões carcerários’, no lançamento da primeira Constituição Federal traduzida para a língua indígena, enfim, em todas as suas significativas contribuições para o bom funcionamento do Poder Judiciário brasileiro”.

Ministra Cármen Lúcia

“A Ministra Rosa Weber é uma juíza que honra a magistratura brasileira, uma cidadã que orgulha a sociedade, dotada de qualidades humanas e intelectuais que dignificam todos os seus desempenhos”.

Dias Toffoli

“A presidência da Ministra Rosa Weber foi marcada, sem dúvida, pela defesa incondicional da democracia, da integridade, das instituições, em especial do Supremo Tribunal Federal. Sua atuação firme e corajosa desde os primeiros momentos, após os atos golpistas de 8 de janeiro, mais do que a defesa do Supremo, foi um trabalho contra o arbítrio e em defesa do regime democrático e dos ideais da Constituição da República. Podemos destacar, ainda, o reforço na colegialidade promovida por Sua Excelência a partir das alterações no Regimento Interno do Supremo Tribunal, com a fixação de prazo para a devolução dos pedidos de vista e a obrigatoriedade de submissão de questões urgentes aos colegiados. Outra marca de sua gestão como presidente do STF e do CNJ foi a sensibilidade com pautas humanitárias, sociais e ambientais, sempre sem se esquivar de assuntos polêmicos. Sua Excelência realizou visitas às comunidades indígenas e quilombolas, retomou as visitas aos presídios, além do destacado empenho quanto ao tema da igualdade de gênero. É com muita honra e muito orgulho que tenho a possibilidade de saudar a ministra Rosa Weber nesse momento de sua despedida e cumprimentá-la pela competente, exitosa e corajosa Presidência”.

Luiz Fux

“A Ministra Rosa em tão pouco tempo realizou empreendimentos fantásticos à frente do STF, mercê de com sua bravura, ter pautado julgamentos memoráveis, além da notável defesa do Estado Democrático Brasileiro. Destacou-se de forma perene no universo feminino”.

Edson Fachin

“O caminho trilhado pela Ministra Presidente é digno de nossa reverência e de nosso profundo respeito. Sua postura profissional e pessoal é plena de ética, decoro e responsabilidade. Verdadeiro exemplo de quem conhece e sabe o significado da toga. Seu caráter, seu espírito intimorato e sua firmeza são os alicerces de sua independência como magistrada, atributos indispensáveis para o exercício da judicatura na salvaguarda dos direitos humanos. A independência constitucional desta Suprema Corte depende da independência pessoal de cada Ministro e de cada Ministra. E ninguém soube demonstrar melhor esta virtude do que a Ministra Presidente Rosa Weber”.

Alexandre de Moraes

“A presidente Rosa Weber liderou de forma firme e brilhante o Supremo Tribunal Federal, especialmente durante um dos ataques mais covardes à democracia brasileira, no dia 8 de janeiro. O Dia da Infâmia, como ela costuma dizer. Também de forma excepcional comandou o Tribunal Superior Eleitoral, em 2018, tempos difíceis para a Justiça Eleitoral, num pleito extremamente polarizado e marcado pelo crescimento do fenômeno das fake news contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Construiu sólida trajetória na Justiça do Trabalho e desde 2011 tem tido uma atuação exemplar no Supremo Tribunal Federal. Por toda essa história, o povo brasileiro agradece a sua imensa contribuição”.

Nunes Marques

“A Ministra Rosa Weber, na qualidade de Presidente do Tribunal, conduziu com serenidade e pulso forte as providências voltadas à restauração não apenas do Plenário da Corte, mas, no campo imaterial, à preservação da chamada Democracia Inabalada”.

André Mendonça

“A Ministra Rosa Weber cumpriu com dignidade e determinação os desafios que se colocaram durante sua gestão. Agora, resignado com a inevitabilidade do tempo, cabe-me desejar a ela o mesmo sucesso em suas novas jornadas e desafios”.

Cristiano Zanini

“Tive a honra de ser empossado no Supremo Tribunal Federal pela Ministra Rosa Weber, a quem sempre irei pela densidade de seus votos nos mais variados temas constitucionais, tendo, ainda, a satisfação de observar a coragem e a firmeza com as quais uniu a Suprema Corte na luta pela guarda da Constituição e pela manutenção do Estado Democrático de Direito”.