Supremo

STF mantém suspensão do pagamento da dívida de Minas com União

Na decisão, o ministro Luiz Roberto Barroso determina que o Estado siga as restrições previstas pelo Regime de Recuperação Fiscal antes mesmo que a ALMG autorize a adesão

Por Franco Malheiro e Bruno Torquato
Publicado em 28 de junho de 2022 | 17:04

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso manteve a suspensão do pagamento das dívidas de Minas com a União, mas determinou que o Estado de Minas Gerais adote as restrições previstas pelo Regime de Recuperação Fiscal (RRF), antes mesmo que ele seja aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Em outubro de 2021, Barroso havia estabelecido o prazo de seis meses para o Estado aderir ao RRF, ou as liminares, que suspendem temporariamente a dívida, seriam suspensas. Com isso, o Estado deveria de arcar, de imediato, com um débito de R$30 bilhões, referentes às parcelas não quitadas desde 2018. No total, a dívida do Estado com a União é de R$ 141,5 bilhões.

A liminar foi deferida por Barroso, de forma monocrática, na última sexta-feira (24) e publicada nesta terça (28). No documento, o ministro determina que o estado siga as vedações previstas no artigo 8° da Lei Complementar 159/2017, a que define o RRF. Dentre elas estão, por exemplo, a realização de novos concursos públicos, aumento do salário de servidores, contratação de servidores por entidades públicas e alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação.

"O cumprimento imediato de tais vedações, mesmo antes da adesão ao RRF, contribuirá para que o Estado restabeleça, mais rapidamente, o equilíbrio das suas contas, propiciando, assim, o adimplemento regular e tempestivo de suas dívidas. A medida, portanto,impõe ônus razoável ao autor e atende parcialmente ao interesse da União', pontua Barroso. A decisão atendeu a um pedido da Advocacia-Geral do Estado. 

Ao justificar a decisão, Barroso pontuou o embate político vivido entre o governo Zema e ALMG em torno do projeto que autoriza o Estado a aderir ao RRF. O projeto está no Legislativo desde 2019, e segue tramitando em regime de urgência, sem ser votado. 

"Nesse contexto, o ente tem buscado demonstrar a adoção das providências necessárias para tal adesão, não obstante enfrente um cenário político desfavorável na Assembleia Legislativa, que tem retardado o implemento das medidas", diz Barroso. 

As restrições previstas pelo RRF, e agora autorizadas por Barroso, fazem parte do argumento de deputados contrários ao RRF. Segundo eles, as contrapartidas poderiam dificultar o desenvolvimento econômico de Minas Gerais.

"A adesão vai implicar no comprometimento do estado em não realizar novos investimentos em políticas públicas por até nove anos e limita previsões de concursos públicos e de estímulos à valorização dos servidores", pontuou o líder da oposição da ALMG, André Quintão (PT), nesta terça-feira, durante sabatina do secretário de Fazenda no Assembleia Fiscaliza.

O governo e parlamentares da base justificavam a necessidade de adesão ao RRF justamente por medo de anulação das liminares, que ocorreria no fim de julho.

O governo de Minas foi procurado para comentar a decisão, no entanto, disse que irá se pronunciar a respeito apenas quando intimado. 

"Em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, o Governo de Minas não comenta ações judiciais e informa que, quando intimado, se pronuncia nos autos dos processos", disse a nota enviada pela assessoria de comunicação. 

O presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PSD), também foi procurado para comentar a liminar, no entanto ele ainda não retornou aos contatos.

Assembleia Fiscaliza

Nesta terça-feira (28), o secretário de Estado de Fazenda, Gustavo Barbosa participou do Assembleia Fiscaliza e voltou a defender a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal. 

“Sem adesão ao RRF, o governo terá de pagar R$ 4,8 bi à União no segundo semestre deste ano e o estado não tem como pagar essa dívida”, afirmou em reunião com as comissões de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, Desenvolvimento Econômico, de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) e Extraordinária das Privatizações da ALMG.

Artigo 23

Uma solução chegou a ser apresentada pela ALMG e sancionada pelo governo. A renegociação da dívida por meio do artigo 23 da Lei Complementar 178/2021.  Pelo artigo, a dívida poderia ser negociada em 30 anos. Esse acordo é fruto de parceria entre o Estado e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Em cáculo apresentado pelo Executivo, a estimativa, com a proposta,  é de que o governo teria que desembolsar R$ 4,8 bilhões até dezembro deste ano.

Durante o Assembleia Fiscaliza, o secretário Gustavo Barbosa argumentou que seguir apenas o artigo 23 da Lei Complementar não é uma opção para o Estado. “Se o estado seguir apenas o artigo 23 da Lei Complementar, terá um desembolso 433% maior. Já com a aprovação do RRF, o valor, para o mesmo período, seria de R$ 900 milhões”.

Barbosa confirmou que a proposta é retomar o pagamento das parcelas mensais com o governo federal. Mas o secretário garantiu que essa retomada vai implicar em um desembolso anual, somente neste ano, de R$ 4,8 bilhões de julho a dezembro. 

'Medida é cautelar e provisória', explica especialista em direito público

A pedido da reportagem, o advogado e professor em direito público Carlos Barbosa, analisou a decisão do ministro Luiz Roberto Barrroso e diz que a medida não representa atropelo da autonomia de poderes.

Segundo Barbosa, a medida é cautelar, por isso provisória, e se dá de forma emergencial. 

"Levando em consideração a medida cautelar que é provisória, ou seja, enquanto a Assembleia não decidir a respeito do ingresso do Estado no Regime de Recuperação Fiscal, a decisão vai valer. Então na verdade, ele não invadiu nenhuma esfera, ele apenas tomou um decisão temporária, e por isso não é nenhuma invasão de poderes", explicou o advogado.

"Ele levou em consideração elementos que regem uma decisão cautelar, que é justamente a questão da proporcionalidade. O que vale mais? O Estado aguardar uma decisão que pode até não acontecer devido a disputa política, ou o ministro tomar uma decisão temporária para proteger os cofres públicos mineiros de um possível cobrança imediata dos recursos que o Estado deve à União", completou Barbosa. 

Ainda de acordo com o especialista, a decisão, por ser monocrática, pode ser encaminhada ao plenário do STF para ser analisada. E para isso, existem dois caminhos: ou o próprio ministro Barroso encaminha a liminar ao pleno, ou por meio de algum recurso contrário a decisão.