CAOS NA SAÚDE

Sobrecarga da fila de urgências do SUS faz PBH suspender cirurgias ortopédicas eletivas 6p61i

Procedimentos serão adiados por no mínimo duas semanas; decisão acontece durante fechamento de bloco cirúrgico na capital 5yq5i

Por Isabela Abalen e Vitor Fórneas
Atualizado em 24 de janeiro de 2025 | 15:08
 
 
Hospital da Baleia informou que “recebeu o ofício e está ciente da determinação” Foto: Videopress Produtora

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) suspendeu a realização de cirurgias ortopédicas eletivas em todos os hospitais não emergenciais da rede do Sistema Único de Saúde (SUS-BH) a partir desta quarta-feira (22 de janeiro). Um ofício assinado pela Regulação do o Hospitalar da Saúde da capital, ao qual O TEMPO teve o, justifica a decisão devido à “alta demanda por leitos hospitalares ortopédicos de urgências”, estabelecendo a priorização desses procedimentos por duas semanas, até o dia 5 de fevereiro. O prazo, no entanto, poderá ser prorrogado. A deliberação evidencia um possível colapso no sistema de saúde, já que a demanda de pacientes não está sendo atendida, e ocorre simultaneamente ao fechamento do bloco cirúrgico do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), na região Centro-Sul, onde parte das cirurgias estão sendo canceladas desde o final de dezembro.

O ofício foi enviado aos diretores de sete hospitais: Baleia, Clínicas (UFMG), Evangélico, Célio de Castro, São Francisco de Assis, Universitário Ciências Médicas e Santa Casa de BH. O documento informa que a rede SUS-BH enfrenta uma sobrecarga de demanda por cirurgias ortopédicas urgentes, ou seja, aquelas em que os pacientes sofrem lesões graves com risco à vida, danos permanentes ou complicações de saúde, como fraturas expostas, comprometimento de nervos e politraumatismos, comuns em acidentes de trânsito. De acordo com a PBH, a fila atual é de uma média diária de 100 pacientes que precisam de leito ortopédico de urgência. Em duas semanas, logo, o número é de no mínimo 1.400 cirurgias. “Por isso a necessidade da implementação dessa medida, de forma a garantir atendimento ágil aos pacientes graves. A estratégia faz parte de um plano de ações regular da Secretaria Municipal de Saúde sempre que há maior demanda de leitos ortopédicos no município”, argumenta o Executivo. 

Para se ter uma ideia, somente no Hospital da Baleia, que confirmou à reportagem ter recebido o ofício, foram realizadas 5.419 cirurgias de ortopedia e traumatologia de pacientes SUS no ano ado – aquelas que, segundo a avaliação médica, não oferecem risco imediato à vida, como prótese de joelho ou tratamento de hérnia de disco. Ou seja, a unidade é responsável por uma média de 100 cirurgias eletivas semanalmente. Agora, os pacientes terão que esperar, no mínimo, duas semanas pelos procedimentos, e a situação pode resultar em um acúmulo de problemas.

Na avaliação do médico Jackson Machado Pinto, que foi secretário de Saúde em BH durante a pandemia, a decisão aponta um desequilíbrio na assistência do SUS da capital. “A Secretaria de Saúde precisa avaliar um cenário de gravidade significativa para tomar esse tipo de decisão. Durante a pandemia, tivemos que suspender todos os blocos cirúrgicos e transformá-los em UTIs, devido ao alto número de internações e à demanda por respiradores. Portanto, algo certamente está em falta, seja insumo ou profissional”, analisa.

Interrupção de cirurgias ocorre durante fechamento de bloco cirúrgico em BH 1h3o3k

A suspensão dos procedimentos eletivos chamou a atenção dos servidores do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), cujos profissionais foram transferidos para o João XXIII após o fechamento o bloco operatório no final de dezembro. O HMAL é referência em cirurgias de traumato-ortopedia e bucomaxilofacial, atendendo, na maioria, vítimas de acidentes de trânsito – justamente o fator que tem causado a sobrecarga no SUS-BH.

“Essa suspensão é uma repercussão rápida no sistema de saúde após o fechamento do bloco operatório. Quando você perde um dos principais responsáveis por reduzir a fila, os casos de fraturas graves vão se acumulando. De 200 procedimentos do Amélia Lins, nem metade está sendo cumprida com a transferência para o João XXIII. O sistema ficou sobrecarregado”, denuncia um médico cirurgião do HMAL, sob condição de anonimato.

O profissional associa o caos na rede de saúde pública à situação vivida durante a pandemia de covid-19. “É a mesma situação. O sistema está sobrecarregado, porque o volume de casos aumentou demais. Quando você acumula urgências, elas, obviamente, am na frente dos casos eletivos. Mas, por outro lado, os pacientes acabam sem previsão de retorno aos blocos operatórios”, reforçou.

Questionada, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) negou que a suspensão das cirurgias eletivas na rede SUS-BH esteja associada ao fechamento do bloco cirúrgico do HMAL. “O Hospital Maria Amélia Lins realiza cirurgias de ‘segundo tempo’, apenas em pacientes oriundos do Hospital João XXIII que, após arem por um primeiro procedimento no momento da urgência, ainda necessitam de nova cirurgia para dar continuidade ao tratamento. Esses pacientes não estão no sistema de regulação municipal”, afirmou.

'Usuário mais prejudicado' n5x1n

A suspensão das cirurgias, segundo Neuza Freitas, diretora-executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde MG), já era esperada e resulta em ainda mais prejuízo para o usuário.

"Já prevíamos essa suspensão desde o fechamento do bloco do Maria Amélia Lins. Na verdade, a situação da fila de cirurgia eletiva ortopédica se arrasta desde o fechamento do Hospital Ortopédico do Galba Veloso, em 2018. Ou seja, a fila de espera, com as demandas acumuladas, já era imensa, e logicamente isso aconteceria. A verdade é que, em algum momento, não teremos mais espaço para atender os pacientes. O usuário será ainda mais prejudicado", afirma Neuza.

A representante da entidade destaca que o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII não tem condições de absorver toda a demanda existente. Por isso, ela defende que "em saúde, não se fecha o serviço, mas sim se amplia". "O João XXIII é referência na América Latina pelos serviços prestados, mas sabemos que ele não aguentaria [o aumento da demanda]. A verdade é que suspendem o serviço e depois não sabem para onde enviar os pacientes. É muito grave o que está sendo feito", afirma.

Neuza ressalta que, se a justificativa para a decisão — "alta demanda por leitos hospitalares ortopédicos de urgência" — for levada em consideração, "não haverá mais cirurgia eletiva". "Todos os dias temos acidentes. O que estamos presenciando é a precarização do serviço", complementa.

O que dizem os hospitais?  582s29

Até o momento, responderam sobre o ofício os hospitais: Baleia, Clínicas (UFMG) e Evangélico. O Hospital da Baleia informou que “recebeu o ofício e está ciente da determinação”. O Hospital Evangélico disse que, a partir desta quarta (22 de janeiro), vai “ampliar sua agenda para a oferta de cirurgias de urgência” e que o prazo máximo de espera dos procedimentos eletivos é de 90 dias. Já o Hospital das Clínicas (UFMG/Ebserh) informou que ainda não recebeu o ofício.

O que diz a PBH na íntegra?  3x6g5y

“A Prefeitura de Belo Horizonte informa que o contingenciamento das cirurgias eletivas ortopédicas - entre esta quarta-feira (22) e o próximo dia 5 de fevereiro - foi necessário em razão da grande demanda de cirurgias de urgência, a maioria vinda de pacientes envolvidos em acidentes de trânsito e quedas.  Portanto, em duas semanas, as cirurgias eletivas serão retomadas.

A estratégia faz parte de um plano de ações regular da Secretaria Municipal de Saúde sempre que há maior demanda de leitos ortopédicos no município.

A média diária atual é de cerca 100 pacientes em busca de um leito ortopédico de urgência na capital. Por isso a necessidade da implementação dessa medida, de forma a  garantir atendimento ágil aos pacientes que chegam aos hospitais em situações mais graves."