O caminhoneiro Manuel da Costa Lima, que em Minas Gerais ganhou o apelido de Nortista por ser paraibano, é considerado a primeira vítima da série de crimes cometidos na Fazenda Porto Mesquita, em Angueretá, distrito de Curvelo, na região Central do Estado, onde bombeiros encontraram 19 crânios em 1975.
Assim como as duas vítimas posteriores, Nortista foi sequestrado e assassinado porque o dono da propriedade, José Luís Figueiredo, o Zé Figueiredo, temia que o caminhoneiro fosse um pistoleiro contratado para eliminá-lo, conforme investigação.
Nortista chegou em Pompéu em 1954, à procura de emprego nas fazendas da região, onde predominava a agropecuária e os fornos brotavam para fazer carvão das árvores do cerrado. Logo ele arrumou trabalho como motorista de caminhão.
Nortista casou com a filha de um rico fazendeiro. Mas, ao mesmo tempo que ganhou uma vida financeira mais tranquila, ele ou a se envolver em muitas brigas. Era tido como valente e de estopim curto, daqueles que não leva desaforo para casa.
Um dia, Nortista recebeu uma carta comunicando a morte da mãe, na Paraíba. Para lá foi. Teria matado o próprio pai, durante briga em casa. Voltou às pressas para Pompéu. Mas, com um mandado de prisão contra ele, acabou preso e levado para a Paraíba.
A mulher de Nortista decidiu terminar o casamento e morar em Brasília. Já o ex-marido dela conseguiu fugir da cadeia e voltou a se esconder em Minas Gerais, conseguindo emprego como motorista na construção de uma barragem perto de Pompéu.
Tempos depois, em 1967, Nortista foi visto em Angueretá, onde soube da partida da esposa. Nunca mais ele foi visto com vida. De Brasília, a mulher enviou uma carta ao delegado de Pompéu pedindo informações sobre o ex para o processo de divórcio. Recebeu um relato sobre as ossadas de Porto Mesquita.
José Prainha da Silva é considerado a segunda vítima da Chacina de Angueretá. Ele trabalhava como laçador de cavalos da Prefeitura de Sete Lagoas, profissão comum à época em cidades do interior, onde era grande o número de animais soltos em ruas e praças.
Mas Prainha não acabou em uma das cisternas da Porto Mesquita. Ele foi enterrado em uma fazenda vizinha à Porto Mesquita, segundo dois irmãos, que confessaram ter sequestrado e matado Prainha por ser suspeito de planejar a morte de Zé Figueiredo.
Um dos irmãos é Elmar de Oliveira Machado. Alto, de pele muito clara e bigode espesso, ele tinha 10 filhos. A família morava na maior casa do distrito. Com 47 anos, Elmar era dono de um armazém e bar, além de cabeças de gado, quando prestou depoimento à Polícia Civil, em 30 de junho de 1975.
Após a descoberta das ossadas, Elmar, que era conhecido como Sinhô Peixe, disse a investigadores e jornalistas que matou Prainha, “porque não tinha outro jeito”. E apontou o irmão Antônio de Oliveira Machado, o Zizinho, como coautor do crime.
Sinhô Peixe contou que, numa noite de fevereiro de 1969, quando Zé Figueiredo estava em Sete Lagoas com jagunços para encontrar um certo Goiano, que acreditava ser um pistoleiro contratado para matá-lo, acabou se deparando com Prainha.
Ainda conforme depoimento de Sinhô Peixe, Figueiredo e policiais militares de Sete Lagoas levaram o laçador de cavalos à força para Angueretá. Ele foi entregue a Sinhô Peixe e Zizinho. À Prainha, disseram que os dois eram policiais encarregados de investigar planos para matar Zé Figueiredo.
Prainha foi mantido em cárcere na fazenda de Zizinho, vizinha à Porto Mesquita, durante uma madrugada inteira. Mas, ao desconfiar que os irmãos não eram policiais, o laçador de cavalos começou a confrontá-los.
No início da manhã, após longa discussão, Prainha avançou sobre Sinhô. Em meio à luta corporal, Zizinho deu dois tiros em Prainha, que caiu morto. Sinhô deu mais um. Para ocultar o crime, os irmãos enterraram o corpo na fazenda de Zizinho, em uma cova a seis palmos, perto de um gravatá e um “pé de pau meloso”.
Sinhô também contou que jogou Prainha na sepultura improvisada “com o rosto virado para a terra e com suas roupas e documentos”. Quando o caso veio à tona, com as ossadas de Angueretá, Antônio já havia vendido a propriedade a uma siderúrgica de Sete Lagoas, que foi tomada por eucaliptos de reflorestamento.
Com a derrubada das árvores nativas de cerrado para produção de carvão e, depois, o plantio de eucalipto, no período entre a morte de Prainha e o depoimento de Sinhô, a referência para a cova do laçador de cavalos sumiu.
Contratados pela Polícia Civil, moradores de Angueretá aram os dias 3 e 4 de julho de 1975 tirando oito palmos de terra no terreno. Cavaram diversos buracos, mas não encontraram nenhuma ossada.
Prainha nunca teve ficha criminal. Também não havia provas de que era um pistoleiro contratado para matar Zé Figueiredo.
Já Goiano foi encontrado por Zé Figueiredo no dia da morte de Prainha. Estava na cadeia de Sete Lagoas, trancado havia dias, sem ordem judicial. Os investigadores da Chacina de Angueretá concluíram que ele foi morto e jogado em uma das cisternas.
Sete Lagoas vista a partir da Serra de Santa Helena: muitas das vítimas e dos autores da Chacina de Angueretá moravam na cidade - Foto: Fred Magno/O TEMPO
Responsável pelo primeiro inquérito da matança, o delegado Murilo Ribeiro Junqueira classificou como “esquadrão da morte” o grupo de Zé Figueiredo. Em seu relatório final, escreveu que “não havia um critério de apuração e julgamento das vítimas indefesas”.
“Bastava alguém insinuar que beltrano ou fulano estaria contratado para matá-lo que o esquadrão se reunia e o julgamento era rápido, com o fulano ou beltrano indo inevitavelmente para o fundo da cisterna. Assim aconteceu com Prainha, Nortista e tantos outros”, concluiu o delegado.
O espaço permanece aberto para manifestações de instituições e familiares das pessoas citadas. Informações sobre os crimes em Angueretá podem ser enviadas para [email protected].