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Fernando Fabbrini

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OPINIÃO

Jazz, o amado rebelde

Música de qualidade contra as tiranias

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 17 de abril de 2025 | 03:00

Já disseram que o jazz seria a trilha sonora perfeita de uma vida – original, variadíssima, imprevisível, a cada instante desafiando a rotina. Como no viver, há uma partitura, mas você nem sempre deve ficar preso a ela. Louis Armstrong, entre sorrisos, gostava de dizer: “o jazz não é um ‘quê’, o jazz é um ‘como”. E repetia: “quem precisa perguntar o que é o jazz, nunca o entenderá”. Outro gênio, Miles Davis, também soprava: “não toque o que está na pauta; toque o que não está lá”. E Charlie Parker, o divino “Bird”, aconselhou: “Não toque o saxofone; deixe que ele toque você.”

Entre outras virtudes e sutilezas, o jazz sempre foi um rebelde atazanando as tiranias que sujaram a história da humanidade. Na rigidez da Alemanha nazista, por exemplo, toda música deveria ser pura, livre de possíveis influências não-arianas. Hans Ziegler, diretor do Teatro Nacional de Berlim e comparsa de Hitler, chegou a organizar um evento dedicado “à tal música decadente” berrando, no discurso de abertura: "esta exposição é uma verdadeira festa das bruxas, uma imagem da arrogância do ocidente, da mediocridade negra, uma amostra da completa imbecilização dos jovens". O repertório por ele amaldiçoado incluía a música de compositores judeus e principalmente o ragtime, apresentado como "música de escravos fracassados". Nascia assim no coração do Reich uma campanha sem precedentes: o jazz tornou-se proibido no estado nazista e seus amantes alvos de perseguição, deportação e até de assassinato.

Stalin também odiava o jazz e sua polícia tinha ordens para prender quem o ouvisse ou o tocasse. Porém, pelas ondas do rádio através do Atlântico, os acordes das big-bands estimulavam a moçada a dançar, sacudindo-se do jeito que o corpo pedia – ainda que fugindo da SS, da Gestapo e da NKVD em festas nos porões, terraços e boates clandestinas. Não tinha jeito: em plena guerra as big-bands viviam o auge da popularidade. O jazz e o swing, seu subgênero, dominavam as pistas de dança e eram tocados não só para distrair as tropas e manter o moral, mas também para afrontar a intransigência do nazismo e do comunismo com os trompetes, saxofones, trombones e baterias alucinantes de Glenn Miller, Duke Ellington, Benny Goodman, Countie Basie, Artie Shaw e Tommie Dorsey.

As notas alegres e poderosas das big-bands marcaram época e apaixonaram milhares de casais no balanço irresistível de comos tentadores. No pós-guerra, essas bandas acabaram cedendo espaço para outros estilos do jazz – o “dixieland”, o “cool”, o “fusion” e os eternamente adorados, suaves e sofridos “blues”.

Agora, uma surpresa: os melhores portais e revistas de jazz da atualidade, como a Down Beat e a sa Jazz Magazine, vêm citando aquela que hoje desponta como a mais legítima big-band do mundo. Seria norte-americana? Não: a WDR Jazz Band é 100% alemã, nascida e criada onde tocar jazz, em 1940, dava cadeia. Seis vezes nominada ao Grammy e parceira de artistas que o ganharam, a profissionalíssima WDR grava suas performances também convidando jovens solistas de diversas nacionalidades. Um deles é o brasileiro Michael Pipoquinha, baixista e compositor cearense de 21 anos, pouco conhecido nesse país do axé, do funk e da “sofrência”, mas estrela ascendente do jazz internacional. A WDR lançou ainda o aplicativo WDR Big Band Play Along permitindo que músicos de todo o mundo toquem virtualmente com a banda – uma ideia democrática e genial.

Portanto, caso você esteja farto da mesmice, da burrice e da ditadura musical que nos assolam, entre no YouTube e delicie-se com a altíssima qualidade da WDR. Sua alma vai agradecer – e vai querer dançar.