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Fernando Fabbrini

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OPINIÃO

Um novo Papa

Se a eleição fosse aberta, quem você escolheria?

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 24 de abril de 2025 | 07:29

Lembrei-me hoje de uma expressão popular italiana: “ad ogni morte di Papa”. Seu uso é indispensável na correria da vida moderna, seja lá ou aqui. Como e quando utilizá-la? Imagine que você tem um amigo, um parente, um cliente. E que essa figura não é de dar muito as caras; nunca aparece; raramente lhe faz uma visita. Então, ao referir-se ao indivíduo, enriqueça seu vocabulário:

- Ah! Fulano? Só vejo esse sujeito “ad ogni morte di Papa”! (Cada vez que morre um Papa!)

E aqui escrevo, pela primeira vez, a propósito dessa raríssima ocasião, refletindo sobre esses personagens marcantes da história da Humanidade - tarefa iniciada por Pedro, aquele que Jesus disse ser uma pedra e sobre a qual edificou sua Igreja.

Nasci nos tempos de Pio XII – Eugênio Pacelli – e muitas famílias católicas dessa geração batizaram filhos com o mesmo nome, homenagem carinhosa e talvez, com segundas intenções, rogando bênçãos extras aos rebentos. Pio XII comandou a Igreja de 1939 a 1958, portanto, no decorrer da 2ª. Guerra, e detratores insinuavam sua simpatia por Hitler e a Alemanha nazista. Sua austeridade e rigidez foram quebradas com a alegria e o charme do sucessor – João XXIII – por certo o mais bem-humorado, informal e humano dentre os que se assentaram naquele suntuoso trono.

Muito cedo aprendi a separar “religião” de “igreja” – coisas completamente diferentes e, às vezes, até antagônicas. Porém, não há como desconsiderar a força do Catolicismo, grupo religioso hoje com cerca de 1,4 bilhão de seguidores – incluindo meus anteados, como bons italianos. Os tortuosos e polêmicos caminhos da fé e das igrejas estão sempre nas pautas da mídia, nas rodas de conversas, debates intelectuais, nas artes plásticas, nos livros, no cinema.

Vi os últimos filmes sobre Papas. O de Fernando Meireles, oportunista e “conciliador”, pareceu-me uma encomenda bancada por um consenso milionário e progressista. Marcaram-me apenas os desempenhos magistrais de Anthony Hopkins e de Jonathan Pryce e o cenário digital da Capela Sistina, novidade cinematográfica de então. Vencedor de um Oscar e disponível nas redes, “Conclave” é bem mais realista: traz os bastidores, fofocas, vaidades e conchavos das reuniões de cardeais eleitores – e um “plot twist” imperioso.

Porém, nenhum supera “Habemus Papam”, dirigido por Nanni Moretti, um dos últimos filmes de Michel Piccoli, brilhante ator francês falecido em 2020. Ele faz um cardeal que, eleito Papa, mergulha em profunda crise existencial; entra em pânico e recusa o cargo, exigindo rigoroso sigilo intramuros do Vaticano e até os serviços urgentes de um terapeuta. Por ansiosos dias a fio, só fumaça preta saía da famosa chaminé, enquanto duravam as dúvidas, fraquezas e temores do homem já escolhido para pastorear o imenso rebanho.

Caso a eleição fosse aberta a nós - as ovelhas - poderia demorar, mas seria bem mais reveladora dos sonhos e esperanças de nossa raça. Eu, por exemplo, escolheria um que vendesse logo todo o absurdo acervo do Museu Vaticano – toneladas de ouro, prata, joias, candelabros e demais riquezas – e usasse os valores para mitigar a fome e a miséria universais.

Da mesma forma, que eliminasse as vestimentas carmins, os paramentos bordados, os anéis e colares que transformam os religiosos em seres estranhos a esse mundo. Basta de ostentação, inclusive nos templos. E que, com a mão segura do verdadeiro pastor, ele apontasse a Natureza como o livro sagrado do divino, do eterno, do supremo. Assim, quem sabe, aprenderíamos finalmente a agradecer a vida e a reverenciá-la a cada novo nascer do sol. Se o próximo Papa fizer um pouquinho disso, já está bom. Que assim seja.