e mais publicações de Fernando Fabbrini

Fernando Fabbrini

Fernando Fabbrini escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

OPINIÃO

Sozinho porque quer

Sem ninguém, mas em boa companhia

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 15 de maio de 2025 | 03:00

Acabo de ler que um grupo alemão de estudiosos de comportamento traçou um perfil dos “novos solitários” do mundo. Nada muito sério nem profundo, mas curioso, esclarecedor e até divertido.

Há os solitários habituais por conta das circunstâncias. Podem ser idosos, com filhos morando longe; viúvos e viúvas; divorciados, solteiras e demais homens e mulheres com poucos amigos ou familiares. Sem problemas: já se acostumaram com a condição. Na noite do Réveillon, por exemplo, apenas esperam a meia-noite para fazerem a grande virada – virarem-se na cama, de um lado para o outro.

Descobriram ainda que grande parte dessa gente tem traços de personalidade semelhantes. A mais frequente característica desses solitários é o prazer trazido pelo silêncio e o recolhimento. Gostam de estar focados nos próprios sentimentos, nas reflexões, nas emoções particulares, fazendo arrumações na alma, por assim dizer. São também pessoas que sabem impor limites; não se submeteriam à companhia de gente chata ou sem afinidades apenas para estar com alguém.

Os novos solitários geralmente têm poucos amigos, não pertencem às grandes turmas ruidosas. Fizeram escolhas difíceis, algumas dolorosas, mas se fortaleceram com as privações e provações; conhecem-se muito bem. Nesses mergulhos, tomaram consciência de suas alçadas; sabem separar com segurança o essencial do supérfluo.

Dentre outras características sugeridas na pesquisa, esta chamou-me a atenção: “os novos solitários se alinham com os sentimentos do mundo”. O que seria isso? Um dos estudiosos explicou: “alinhar-se com os sentimentos do mundo é estar atento ao que acontece hoje por aí, além de nós – conflitos, fome, guerra, injustiça, desencontros, desesperanças”. Ou seja: os novos solitários são também marcadamente solidários; têm como companhia fiel o resto da humanidade. Bonito, não?

O site – certamente criado por um solitário - listou algumas vantagens de viver só. Em primeiro lugar, o solitário pode organizar a sua rotina, horários e atividades sem depender de ninguém ou justificar decisões. O espaço – seja ele qual for, uma casa, apartamento, sítio ou barracão de fundos – é seu, sem interrupções ou invasões de privacidade, ideal para descanso ou concentração no trabalho. Desde a decoração até à arrumação, tudo está ao seu gosto; sua casa reflete a sua personalidade. Viver sozinho também ajuda você a se conhecer melhor – seus limites, preferências e hábitos. E, para não morrer de fome, depender do I-Food ou de profissionais quebra-galho, quem mora sozinho acaba aprendendo a fazer café, cozinhar, limpar, dar banho no cachorro e resolver problemas domésticos – trocar bucha de torneira pingando ou desentupir o vaso.

Solitários ou gregários, permanece em nós um desejo de renovação, de mudança interna, de novos sonhos. Tudo bem; depois de fases difíceis, a gente precisa mesmo fechar ciclos, marcar chegadas e partidas, soltar um “ufa!” No entanto, não podemos exagerar. Vale a pena armar-nos com novas esperanças, mas também não é necessário que joguemos fora assim-assim o antigo “eu”, aquele básico, primordial, original de fábrica com todos órios. Afinal, foi o “velho você” que segurou muitas barras até hoje, ou por dificuldades, decepções, corações partidos, sustos. E até agora, sobreviveu. Portanto, mais respeito e consideração com os os que lhe trouxeram até aqui.

Os novos solitários devem ser aqueles também afinados com uma frase muito inteligente que vi esta semana num post: “Você chega em casa; não há ninguém, você está completamente só. Isso é solidão ou é liberdade? A escolha é sua.”

Finalmente, um conselho prático: é conveniente ao solitário deixar uma cópia das chaves com pessoa de sua absoluta confiança – apenas para o caso de ser abduzido por uma nave alienígena e parar de dar notícias. Coisas desse tipo.