-
‘Não somos bandidos’, diz Mourão a Moraes sobre se esconderia de Bolsonaro encontro com ministro
-
Braga Netto jogava vôlei em Copacabana em 8 de janeiro e ficou surpreso com invasões em Brasília
-
Comandante da Marinha pede para não depor em inquérito que apura suposta trama golpista
-
Cid revela medo, lealdade a Bolsonaro e intenção de fugir em áudios: ‘Se Lula vencer, serei preso’
-
Ex-prefeita de cidade mineira é condenada a quase 40 anos de prisão por desvio de dinheiro público
Moraes diz em julgamento no STF que parecia ser ‘normal todos darem 'palpitinho' na minuta de golpe’
Relator da denúncia sobre a tentativa de golpe de Estado, Alexandre de Moraes apresenta nesta quarta (26) seu voto sobre abertura da ação penal contra Bolsonaro
BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (26), no segundo dia de sessões do julgamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, que a chamada minuta do golpe circulava abertamente entre autoridades do primeiro escalão do governo ado.
“É como se fosse algo normal todos darem ‘palpitinho’ (palpitezinho) na minuta de golpe”, afirmou o ministro, relator da ação. Segundo ele, “não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição” se reúna com comandantes militares para discutir o esboço de um decreto dessa natureza.
Moraes fez a declaração ao apresentar o voto no julgamento que vai decidir se o grupo de oito acusados se tornará réu. É necessária a maioria dos votos da Primeira Turma, formada também por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin (presidente do colegiado).
O relator citou a “minuta do golpe” após falar do papel do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, na suposta trama golpista. Moraes citou os arquivos em que Ramagem municiou o ex-presidente de dados (falsos) contra as urnas eletrônicas.
Moraes exibiu no telão do plenário da Primeira Turma um documento de texto criado por Ramagem chamado de “Bom dia presidente”. No arquivo, é relatada a criação de um grupo técnico voltado para atacar as urnas. “Onde há a previsão legal para Abin estabelecer um grupo para atacar urnas eletrônicas?”, questionou o relator.
Na terça-feira (25), no primeiro dia de julgamento, o advogado de Ramagem alegou que essa era uma das atribuições da Abin e foi rebatido pela ministra Cármen Lúcia. Moraes reiterou que não é função da Abin garantir a segurança das urnas. “A Abin não pode interferir em nada”, afirmou o ministro.
Durante a sustentação oral, o advogado de Ramagem alegou que a PGR só apresentou indícios “singelos” sobre a participação do ex-diretor da Abin na tentativa de golpe de Estado. “As alegações de que somente três arquivos de texto não seria nada inédito, como vamos ver aqui, há, sim, indícios mínimos de autoria”, pontuou Moraes.
Na investigação que embasou a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) em fevereiro, a Polícia Federal mostrou que Ramagem redigiu, em primeira pessoa, orientações para Bolsonaro atacar a credibilidade das urnas e de ministros do Supremo.
Um dos textos encontrados pela PF no e-mail de Ramagem dizia que: “Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do Sr. (presidente Bolsonaro) no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos”.
Moraes exibe imagens de vandalismo para mostrar violência
No início da terceira sessão do julgamento de Bolsonaro e aliados, Moraes exibiu vídeo com imagens de violência em Brasília em três episódios “com intenção golpista”.
“A materialidade fica comprovada em cinco minutos do vídeo que vou mostrar”, anunciou Moraes no começo do voto a favor da abertura da ação penal contra Bolsonaro e os demais acusados em denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) em fevereiro.
As imagens exibidas em telão no plenário da Primeira Turma do STF mostraram cenas de vandalismo na área central de Brasília após a tentativa de invasão à Polícia Federal em dezembro de 2022, a descoberta de uma bomba no aeroporto de Brasília na véspera do Natal do mesmo ano e os atos de 8 de janeiro de 2023.
Relator da denúncia sobre a tentativa de golpe de Estado no STF, Moraes pediu para exibir os vídeos para reforçar que houve violência por parte de apoiadores de Bolsonaro que pediam intervenção militar para ele continuar no poder, mesmo após a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2022.
“Se isso não é violência, o que seria?”, afirmou Moraes, descrevendo os atos como “verdadeira guerra campal”. O ministro lembrou que integrantes da polícia do Judiciário tiveram que usar todo o armamento não letal para tentar impedir “bravamente” à invasão ao edifício-sede do STF.
O compilado também mostrou uma cena em que os invasores atacam um policial militar em um cavalo, ferindo o agente e o animal. “Nenhuma Bíblia e nenhum batom é visto nesse momento, mas a depredação é vista", ressaltou Moraes. “Tivemos tentativa de golpe de estado violentíssima”, afirmou.
O relator lembrou ainda que, durante as sustentações orais, feitas na terça-feira (25), os próprios advogados dos acusados reconheceram a gravidade dos atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023. “Salvo duas sustentações orais, todas as demais reconheceram a gravidade dos fatos ocorridos no 8 de janeiro”, disse.
O ministro falou sobre o “viés de positividade”, explicando o conceito como uma propensão do cérebro para lembrar coisas boas e esquecer as ruins: “uma autoproteção do cérebro”. “8 de Janeiro foi uma notícia péssima, para todos os brasileiros, para a democracia, mas esse viés de positividade faz com que não lembramos que não foi um eio no parque”.
Os acusados e as acusações
Bolsonaro e aliados são acusados de cinco crimes: organização criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
- Jair Bolsonaro, ex-presidente
- Alexandre Ramagem Rodrigues, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa
Diferentemente do que aconteceu na terça-feira, no primeiro dia de sessões, Bolsonaro não compareceu ao plenário do Supremo nesta quarta. O ex-presidente foi o único dos oito acusados presentes. Ele esteve acompanhado de advogados e deputados aliados.
A definição da Primeira Turma
A Primeira Turma julga nas sessões de terça e quarta-feira o chamado “núcleo crucial” da denúncia apresentada pela PGR, em 18 de fevereiro, contra o ex-presidente e outras 33 pessoas. O órgão dividiu os investigados em cinco grupos de atuação. O fatiamento visa facilitar o julgamento, permitindo análise separada dos núcleos.
Os integrantes do colegiado avaliam se a acusação trouxe elementos suficientes para a abertura de uma ação penal contra os acusados. Se a denúncia for aceita pela maioria dos ministros, os acusados serão considerados réus e começa o trâmite de uma ação penal. O processo continua na Primeira Turma.
Os próximos os são o interrogatório dos réus e a oitiva das testemunhas. Em seguida, é aberto o prazo para as alegações finais, momento em que as defesas podem contestar as provas apresentadas pela PGR na denúncia e argumentar em favor da inocência dos réus. Após as alegações finais, o STF agendará a data para o julgamento dos acusados.
Caso a acusação seja aceita e resulte em condenação, as penas somadas podem chegar a 43 anos e quatro meses de prisão em função de agravantes, como organização criminosa armada. De acordo com o Código Penal, uma pessoa não pode ficar privada de liberdade por mais de 40 anos. Quando uma condenação superar esse limite, as penas devem ser unificadas.
Outros julgamentos
O presidente da Turma, Cristiano Zanin, já marcou as datas dos julgamentos de outros dois núcleos. O julgamento do grupo de militares foi agendado para 8 e 9 de abril, enquanto o do núcleo apontado como responsável por elaborar um suposto plano de tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, está marcado para 29 de abril.
A denúncia
A investigação teve início após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas. No decorrer da apuração, a Polícia Federal identificou elementos que indicavam a existência de um plano articulado para um golpe de Estado. Entre eles estavam:
Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
Investigações da PF mostram que Bolsonaro tinha conhecimento da operação chamada “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o uso de explosivos e veneno para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além do plano “Copa 2022”, que previa capturar Moraes.
Descrédito das urnas
A PF lista uma reunião realizada entre Bolsonaro e a cúpula do seus governo, em julho de 2022, na qual ele teria convocado os integrantes do governo a agirem antes das eleições para disseminarem fake news sobre a lisura das urnas. O encontro aconteceu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.
A PF afirma que, no encontro, outros integrantes do governo, como o ministro da Justiça, Anderson Torres, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, do GSI, Augusto Heleno e o secretário-geral da Presidência em exercício, Mário Fernandes, propagaram mentiras sobre fraudes nas eleições.
Questionamento da lisura do processo eleitoral
O documento lista ainda a representação eleitoral apresentada pelo PL, após o segundo turno, com dados inconsistentes para questionar o resultado de mais de 200 mil urnas só no segundo turno. A PF aponta que o documento foi apresentado à Justiça Eleitoral com conhecimento de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
Carta dos oficiais
Os agentes federais também citam que tiveram ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. A investigação aponta que o documento teve a anuência do ex-presidente.
Minuta de golpe
Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “minuta do golpe”, com apoio do núcleo jurídico, que previa a ruptura institucional para impedir a posse de Lula. O documento havia sido impresso no Palácio do Planalto, sede do governo federal.
O arquivo, segundo os investigadores, determinava a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.
De acordo com a PF, Bolsonaro convocou uma reunião em dezembro de 2022 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta, buscando respaldo para um golpe de Estado. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a proposta, enquanto o da Marinha, Almir Garnier, demonstrou apoio.