A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã de quinta-feira (8) uma operação que visou buscar provas em investigação que apontam para uma “tentativa de golpe de Estado” em 2022, que estava sendo organizada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O plano impediria a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manteria o ex-presidente no poder, de acordo com a instituição.
Para conseguir os 33 mandados de busca e apreensão, as 48 medidas cautelares que podem incluem apreensão de aporte e/ou proibição de manter contato com os demais investigados, além das quatro ordens de prisão, a PF apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um relatório. O documento tem análises de investigadores, com material anexado e apresentado como prova.
O conteúdo inclui mensagens de textos e áudios, além de vídeos dos investigados. Na representação, a PF disse haver indícios de tentativa de que uma “organização criminosa” visava golpe de Estado e planejou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Para a suposta trama criminosa, a PF apontou seis núcleos que disseminavam “a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e, eventualmente, legitimar uma intervenção das Forças Armadas, com abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em dinâmica de verdadeira milícia digital”.
Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.
Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a “audiência” militar.
Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado.
Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.
Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da do decreto de golpe de Estado.
Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.
Todas as alegações da PF foram referendadas pela PGR, que enviou um parecer ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele decretou 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão. Entre elas, estão a proibição de manter contato com os demais investigados, suspensão do exercício de funções públicas e proibição de deixar o país.
Horas após o desencadeamento da operação Tempus Veritatis (hora da verdade, em latim), Moraes derrubou o sigilo da sua decisão. Dessa forma, o relatório da PF e o parecer da PGR foram tornados públicos. A equipe de O TEMPO em Brasília teve o aos documentos que resultaram nas ações contra Bolsonaro, ex-ministros militares e aliados do ex-presidente.
Estes são os principais argumentos apresentados pela PF:
Uma das principais provas apresentadas pela PF é o vídeo da reunião de Bolsonaro com todos os seus ministros, realizada em 5 de julho de 2022, no Palácio do Planalto. No encontro, o então presidente cobrou os subordinados que usassem os cargos para disseminar informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições.
Um vídeo com a gravação da reunião foi encontrado em um dos computadores de Mauro Cid. Ele mostra Bolsonaro dizendo aos ministros que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse “uma grande guerrilha”. As imagens foram divulgadas pela colunista Bela Megale, do jornal O Globo, nesta sexta-feira (9).
Na reunião ministerial, Bolsonaro ordenou a disseminação de fake news para tentar reverter o quadro eleitoral. Nervoso, o presidente disparou ofensas e palavrões. E exigiu o envolvimento de todos numa campanha para desmoralizar o sistema eleitoral, itindo uma derrota nas urnas, mesmo a quatro meses da votação.
“Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições”, disse Bolsonaro.
Para impedir a, segundo ele, iminente vitória e posse de Lula, Bolsonaro propôs a redação de um documento afirmando ser impossível “definir a lisura das eleições”. Ele cobra inclusive a inclusão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na tentativa de impedir a realização da eleição.
“Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado. Eu parei de falar em voto imp... e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes”, afirmou o presidente.
Em outro trecho do vídeo, Bolsonaro diz que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cometeu um erro ao convidar as Forças Armadas para integrar a Comissão de Transparência das Eleições. A medida visava justamente afastar qualquer dúvida sobre a regularidade do sistema eleitoral brasileiro.
“Eles erraram [ao incluir as Forças Armadas]. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que sou o chefe supremo das Forças Armadas?”, afirmou o presidente, em meio aos ministros, que ouvem tudo calados.
Bolsonaro citou os ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF. Disse, sem mostrar provas, que eles estavam “preparando tudo para o Lula ganhar no primeiro turno” – o petista venceu Bolsonaro no segundo turno. “Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar levanta o braço. Acredita que são pessoas isentas, que tão preocupadas em fazer justiça, seguir a Constituição?”, disse. Ninguém se manifestou.
Outro que falou em tom exaltado na mesma reunião foi o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Assim como Bolsonaro, ele disse que todos deveriam se envolver para evitar a realização da eleição presidencial. Falou em “virar a mesa”.
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, afirmou Heleno. VAR é o sistema de vídeo usado em jogos de futebol para revisar lances polêmicos, como pênaltis.
Heleno chegou a propor que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fossem infiltrados em campanhas eleitorais. Bolsonaro interrompeu a fala do general e orientou que conversassem sobre o tema posteriormente, em particular.
Também discursaram no mesmo encontro os então ministros da Justiça, Anderson Torres, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Nogueira afirmou que o TSE era “inimigo” do governo. Assim como Bolsonaro e Heleno, Torres e Nogueira foram alvos da operação de quinta-feira.
Para a PF, as imagens, que têm mais de uma hora de duração, revelam “o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo”. A partir dessa reunião, a PF aponta que houve uma sequência de eventos para o planejamento do suposto golpe de Estado.
Investigadores recuperaram mensagens dos celulares de Mauro Cid, nas quais o ajudante de ordens assume a tarefa de coordenação na disseminação de ataques ao TSE.
A descrição da reunião ocupa mais de 10 páginas da decisão assinada por Alexandre de Moraes e que resultou na operação Tempus Veritatus, deflagrada na quinta-feira. Confira as ordens e os alvos:
Mandados de busca e apreensão
Mandados de prisão
Medidas cautelares que podem incluir apreensão de aporte e/ou proibição de manter contato com os demais investigados
Suspensão do exercício de função pública