'Tentativa de golpe'

Mauro Cid deu R$ 100 mil para ato em Brasília e comandou 'kids pretos', diz PF

Mauro Cid e outros oficiais do Exército integravam o “núcleo operacional da suposta “organização criminosa que pretendia dar um golpe de Estado, segundo a PF

Por Renato Alves
Publicado em 08 de fevereiro de 2024 | 14:27

Então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid e outros seis oficiais do Exército integravam o “núcleo operacional” da suposta “organização criminosa” que pretendia dar um golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo investigação da Polícia Federal que resultou na operação desencadeada na manhã desta quinta-feira e tem o ex-presidente, generais e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, entre os alvos.

Segundo a PF, os oficiais comandados por Cid integravam o grupo de elite do Exército, os chamados “kids pretos”, militares das “forças especiais” altamente treinados com técnicas de ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular. Essas ações são descritas pelo Exército como “operações de guerra irregular”. No caso do plano para impedir a posse de Lula, Cid e seus colegas eram encarregados de “reuniões de planejamento e execuções de medidas”, além de “logística e financiamento” para manutenção dos acampamentos de apoiadores de Bolsonaro em  frente a quartéis do Exército, onde a intervenção militar era a principal bandeira.

Nas investigações sobre os ataques de 8 de janeiro, a PF identificou kids pretos, com botas militares e calças camufladas, participando das invasões às sedes dos Três Poderes. Um deles, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chegou a fazer vídeo em frente ao Palácio do Planalto, em meio à invasão e depredação do prédio que é a sede do Poder Executivo. Ele narrou o cenário, dizendo que estava “arrepiado”. Fernandes foi alvo da 18ª fase da Operação Lava Jato, desencadeada em 29 de setembro de 2023. Fernandes não está entre os alvos desta quinta-feira.

PF tem trocas de mensagens como provas contra Cid e outros oficiais

Para apontar Cid e outros oficiais como responsáveis pelo “núcleo operacional” do plano de golpe de Estado, a PF apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) troca de mensagens de áudio e textos recuperados por peritos com autorização judicial.

Os investigadores citam uma reunião entre o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, então ajudante de ordens de Bolsonaro, com oficiais com formação para integrar as forças especiais. O encontro aconteceu na noite de 28 de novembro de 2022, em Brasília. 

Essa reunião resultou, ainda de acordo com a PF, em uma carta assinada por oficiais e endereçada ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que pedia a adesão dele ao plano de golpe de Estado. Gomes não cedeu à pressão desses militares nem de outros. Por isso, foi chamado de “cagão” por Braga Netto, então ministro da Defesa, que também apoiou “oferecer a cabeça dele aos leões”, conforme provas anexadas pela PF ao relatório em que pediu autorização para cumprimento de buscas, apreensões e prisões nesta quinta-feira.

Os investigadores souberam dessa reunião em Brasília por meio de diálogos que estavam arquivados no telefone celular de Mauro Cid, apreendido pela PF – ele foi preso por causa da falsificação de comprovantes de vacina contra Covid-19 e é investigado em outros inquéritos, como o que desencadeou a operação desta quinta e o que trata das joias da Arábia Saudita que Bolsonaro não entregou ao patrimônio da União.

Coronel alvo de mandado de prisão está nos EUA

O coronel Bernardo Romão Corrêa Netto é um dos quatro ex-assessores de Bolsonaro que tiveram a prisão preventiva autorizada pelo STF na operação desta quinta-feira. Ele é apontado não só como elo com oficiais dispostos a aderir a um golpe de Estado como civis que participavam ativamente dos acampamentos em frente aos quartéis.  

Tecnicamente, Netto é considerado foragido. Ele escapou da prisão porque foi mandado aos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022. Sua missão prevê estadia em Washington até 2025. Nesta quinta-feira, a PF comunicou o comando do Exército para que ele se apresente ao Brasil por causa da ordem de prisão.

Segundo a PF, a permanência de Corrêa Netto nos EUA “somada às circunstâncias da designação da missão, que somente foi publicada no fim do governo anterior”, demonstram indícios de que o militar agiu para escapar do alcance de investigações e, em consequência, da aplicação de medidas de responsabilização criminal. 

Na operação desta quinta-feira, foram presos o major Rafael Martins de Oliveira, comandante do batalhão de Niterói (RJ), levado para a custódia do Exército no Rio de Janeiro, e o coronel da reserva Marcelo Costa Câmara, que ficará em Brasília sob custódia do Exército. Ambos integram as Forças Especiais do Exército

Mauro Cid deu R$ 100 mil para apoiadores de Bolsonaro irem à Brasília

Antes da reunião entre Corrêa Netto, Mauro Cid e outros oficiais com cargo no governo Bolsonaro se reuniram presencialmente e trocaram mensagens para organizar uma manifestação contra o TSE, STF, ministros das duas Cortes e a eleição de Lula, com pedido de intervenção militar. 

O ato aconteceu em 15 de novembro de 2022. Apoiadores de Bolsonaro se reuniram em frente ao Quartel General do Exército, em grande número. Mas, antes que iniciassem uma marcha até a Praça dos Três Poderes, como a que ocorreu em 8 de janeiro de 2023, houve uma forte chuva, que provocou a debandada do grupo. 

Mauro Cid deu R$ 100 mil para manifestantes irem do rio de Janeiro a Brasília no dia 15. O valor foi transferido para o major Rafael Martins de Oliveira, apontado pela PF como um interlocutor de Mauro Cid na articulação da tentativa de golpe de Estado. O militar, que foi preso nesta quinta-feira, participou de diversas reuniões com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e outros militares.

Nas conversas por aplicativo de mensagem, recuperadas pela PF, Rafael Martins e Mauro Cid falaram sobre a necessidade de “recursos financeiros” para o ato de 15 de novembro. Um dia antes, Cid escreveu sobre uma “estimativa” para trazer apoiadores, com custo de alimentação, estadia e outros gastos e citou o valor de R$ 100 mil. Martins concordou e recebeu o dinheiro por transferência eletrônica.

“No dia 15.11.2022 (dia das manifestações), Rafael encaminha documento protegido com senha intitulado ‘Copa 2022’ e informa que está ‘com as necessidades iniciais’. Justifica o envio do documento no WhatsApp pois o aplicativo UNI não estaria funcionando e orienta Mauro Cid a apagar posteriormente, com o objetivo de suprimir as provas dos ilícitos praticados”, diz trecho do relatório da PF.

Cid garantiu que militares não impediriam manifestantes de invadir o STF

Antes disso, em 11 de novembro de 2022, também por meio de mensagens em aplicativo, Rafael Martins pediu orientações a Mauro Cid sobre locais para realizar manifestações. O então ajudante de ordem mais próximo de Jair Bolsonaro disse que os alvos dos manifestantes eram o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Ele também garantiu que as Forças Armadas não só permitiriam a entrada de bolsonaristas nos edifícios públicos como fariam a segurança deles.

Já em 15 de novembro, Cid e Rafael usaram aplicativos de mensagem para convocar para as manifestações do feriado da Proclamação da República. Para a PF, as mensagens são indícios de que “os protestos convocados não se originavam da mobilização popular, mas sim da arregimentação e do e direto do grupo ligado ao então presidente Bolsonaro”.

O que diz a PF sobre a suposta ‘organização criminosa’

No relatório apresentado à PGR e ao STF, a PF enumerou os núcleos de atuação do grupo existentes e atuantes para operacionalizar medidas para desacreditar o processo eleitoral; planejamento e execução do golpe de Estado e  abolição do Estado Democrático de Direito; com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder:

  • 1. Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral

Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.

  • 2. Núcleo responsável por incitar militares à aderirem ao golpe de Estado

Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a "audiência" militar.

  • 3. Núcleo Jurídico

Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado. 

  • 4. Núcleo operacional de apoio às ações golpistas

Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.

  • 5. Núcleo de inteligência paralela

Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da do decreto de golpe de Estado.

  • 6. Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos

Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.

Mandados de busca e apreensão

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão da reserva e ex-candidato a deputado estadual (PL-RJ);
  • Almir Garnier Santos; ex-comandante-geral da Marinha;
  • Amauri Feres Saad, advogado apontado pela MI do 8 de janeiro como autor da minuta golpista;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Angelo Martins Denicoli, militar da reserva e ex-diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS;
  • Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI;
  • Bernardo Romão, coronel do Exército;
  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar estudo apontando fraude nas urnas eletrônicas; 
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • José Eduardo de Oliveira e Silva, padre;
  • Laércio Virgílio, general de brigada reformado;
  • Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-comandante do Exército;
  • Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército;
  • Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor da Presidência da República;
  • Walter Braga Netto, general e candidato a vice de Bolsonaro.
  • Mandados de prisão
  • Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
  • Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens;
  • Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército.

Medidas cautelares que podem incluir apreensão de aporte e/ou proibição de manter contato com os demais investigados

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão da reserva e ex-candidato a deputado estadual (PL-RJ);
  • Almir Garnier Santos; ex-comandante-geral da Marinha;
  • Amauri Feres Saad, advogado apontado pela MI do 8 de janeiro como autor da minuta golpista;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Angelo Martins Denicoli, militar da reserva e ex-diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS;
  • Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI;
  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar estudo apontando fraude nas urnas eletrônicas; 
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República;
  • José Eduardo de Oliveira e Silva, padre;
  • Laércio Virgílio, general de brigada reformado;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, blogueiro;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-comandante do Exército;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército;
  • Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor da Presidência da República;
  • Walter Braga Netto, general e candidato a vice de Bolsonaro.

Suspensão do exercício de função pública

  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército.