MULTILATERALISMO

Em reunião do Brics, Lula manda indireta a Trump e critica ‘quem aposta no caos’ 

Presidente defendeu o multilateralismo e disse que ‘negociar com base na lei do mais forte é um atalho perigoso para a instabilidade e para a guerra’

Por Ana Paula Ramos
Atualizado em 26 de fevereiro de 2025 | 18:19

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou indiretas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante reunião do Brics, nesta quarta-feira (26), em Brasília, e criticou “quem aposta no caos”. Ele foi o único chefe de Estado a participar do encontro, já que o Brasil preside o Brics neste ano. 

Foi o primeiro encontro do ano dos chamados “sherpas”, que têm a responsabilidade de conduzir as discussões que vão culminar na Cúpula de Líderes, agendada para 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. 

"A presidência brasileira vai reforçar a vocação do bloco como espaço de diversidade e diálogo em prol de um mundo multipolar e de relações menos assimétricas. Esses objetivos guiarão o nosso trabalho ao longo desse ano", afirmou Lula. 

"O recurso ao unilateralismo solapa a ordem internacional. Quem aposta no caos e na imprevisibilidade se afasta dos compromissos coletivos que a humanidade precisa urgentemente assumir. Negociar com base na lei do mais forte é um atalho perigoso para a instabilidade e para a guerra", disse. 

Lula também voltou a defender o multilateralismo e a importância de órgãos globais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), vinculada às Nações Unidos. Trump anunciou a saída dos Estados Unidos de vários órgãos multilaterais, incluindo a própria OMS. 

"Sabotar os trabalhos da OMS é um erro com sérias consequências. Fortalecer a arquitetura global de Saúde, com a OMS em seu centro, é fundamental para garantir um justo e equitativo o a medicamentos e vacinas necessários ao desenvolvimento sustentável de nossos países", disse. 

“Frente à polarização e à ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o único caminho que devemos trilhar”, acrescentou o presidente, durante o seu discurso. 

O que é o Brics? 

O Brics reúne países de economia emergente e a sigla corresponde à primeira letra dos países fundadores: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Em 2023, seis países anunciaram adesão: Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes. A Argentina, porém, deixou a lista após a eleição de Javier Milei. 

O Brasil assumiu como presidente rotativo, em janeiro deste ano, e anunciou a entrada de outras nove nações como "parceiras", um status inferior ao de membro pleno: Belarus, Nigéria, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. 

Ao longo de seu discurso, Lula listou os eixos prioritários de discussão durante a presidência brasileira no BRICS: 

Reforma da arquitetura multilateral de paz e segurança, com reforma das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança

Segundo o presidente Lula, a reforma do multilateralismo é "inadiável", já que "o recurso ao unilateralismo solapa a ordem internacional".

Parceria para eliminação de doenças socialmente determinadas e doenças tropicais negligenciadas 

Lula afirmou que a pobreza, a falta de o a serviços básicos e a exclusão social são terreno fértil para doenças como tuberculose, malária e dengue e outras, que juntas ameaçam cerca de 1,7 bilhão de pessoas no mundo.

O presidente também anunciou que pretende lançar uma parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas e Doenças Tropicais Negligenciadas, durante a presidência brasileira do Brics.

Contribuição para aprimoramento do sistema monetário e financeiro internacional

O presidente Lula disse ainda que o Brics deve desenvolver plataformas de pagamento complementares, para reduzir custos na área de comércio.

"A atual escalada protecionista na área de comércio e investimentos reforça a importância de medidas que busquem superar os entraves à nossa integração econômica. Aumentar as opções de pagamento significa reduzir vulnerabilidades e custos".

"A presidência brasileira está comprometida com o desenvolvimento de plataformas de pagamento complementares, voluntárias, íveis, transparentes e seguras", afirmou.

Atenção aos efeitos da crise climática no planeta

O presidente Lula citou o Acordo de Paris e cobrou financiamento dos países ricos ao enfrentamento às emergências climáticas.

"O Acordo de Paris e todo o regime do clima estão sob ameaça. Na COP de Belém, os líderes mundiais terão o imperativo de equacionar ambição e financiamento no enfrentamento à crise climática", acrescentou.

Discussão sobre o papel da inteligência artificial e seus desafios éticos, sociais e econômicos

O presidente Lula também afirmou que o desenvolvimento econômico na "revolução digital" a pelo desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial. O petista disse que o Brasil proporá um sistema de governança para o tema durante o Brics. 
  
"Ao mesmo tempo em que oferece oportunidades extraordinárias, a Inteligência Artificial traz desafio éticos, sociais e econômicos. Essa tecnologia não pode se tornar monopólio de poucos países e poucas empresas. Grandes corporações não têm o direito de silenciar e desestabilizar nações inteiras com desinformação. Mitigar os riscos e distribuir os benefícios da revolução digital é uma responsabilidade compartilhada".   
  
"Qualquer tentativa de desenvolvimento econômico hoje a pela Inteligência Artificial. Não podemos permitir que a distribuição desigual dessa tecnologia deixe o Sul Global à margem. O interesse público e a soberania digital devem prevalecer sobre a ganância corporativa", destacou. 
  
O presidente afirmou que os países do Brics precisam recolocar os governos no centro da discussão sobre o desenvolvimento e os usos dessas tecnologias. 

"O Brics precisa tomar para si a tarefa de recolocar o Estado no centro dos debates para a construção de uma governança justa e equitativa sob o amparo das Nações Unidas", disse o presidente brasileiro. 

Aumento da institucionalidade do Brics, para garantir mais eficiência nas decisões e ações com maior impacto global possível 

"Embora a rápida ampliação do agrupamento, nos últimos dois anos, ateste nosso valor estratégico e seja extremamente positiva, temos o desafio de tornar a coordenação mais eficaz e ágil. É preciso focar em métodos de trabalho que confiram mais eficiência às decisões e garantam que nossas ações tenham o maior impacto global possível. Da mesma forma, o Pilar Social é garantia de que as sementes que plantamos frutificarão em nossas sociedades", disse. 

"Não basta reunir líderes todos os anos se não somos capazes de escutar os anseios dos cidadãos. Os grupos de engajamento envolvendo mulheres empreendedoras, empresários, jovens, parlamentares, sindicatos, acadêmicos e sociedade civil contarão com todo apoio da presidência brasileira", continuou.