BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta terça-feira (25), para não tornar crime o porte de maconha para consumo pessoal. O julgamento foi retomado com a explicação do ministro Dias Toffoli sobre o voto proferido na última quinta-feira (20), em que ele defendeu a descriminalização do usuário de todas as drogas.
Com a explicação do ministro, seguida por Luiz Fux e Cármen Lúcia, o placar do julgamento iniciado em agosto de 2015 chegou, portanto, a oito votos favoráveis à tese de não criminalizar o usuário com pequeno porte para consumo próprio.
Já haviam defendido esse entendimento os ministros Gilmar Mendes (relator), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso (presidente) e a ministra aposentada Rosa Weber.
Durante a sessão, Fux, que havia se declarado favorável ao entendimento legal do artigo 28 da Lei de Drogas, recuou e se disse favorável à descriminalização do usuário de maconha. Questionado após a sessão, o ministro disse que não seguiu nenhuma das teses - mas também não definiu de que lado está.
Cristiano Zanin, André Mendonça e Kássio Nunes Marques tiveram uma interpretação divergente da maioria durante a análise na Corte do recurso que discute se cabe ou não sanção penal pelo porte de maconha para uso próprio. A sessão foi encerrada e julgamento deve ser retomado nesta quarta-feira (26) onde será proclamado o resultado e definido os critérios para diferenciar usuários e traficantes.
Na última sessão, Dias Toffoli emitiu um parecer separado no qual votou a favor da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Ele destacou que, desde sua criação, o artigo nunca penalizou o usuário pelo porte para consumo pessoal. A sanção, prevista em lei, não é penal, mas sim trata de advertências, como prestação de serviços à comunidade.
“Nenhum usuário, de nenhuma droga, pode ser criminalizado. Esse foi o objetivo da Lei de 2006. A lei de 1976, que foi substituída pela de 2006, tratava como crime o uso de de droga, como criminosos os usuários”, voltou a defender Toffoli na retomada do julgamento nesta terça-feira. “Meu voto é pela descriminalização”.
Em seu parecer, o ministro faz ainda uma explicação sobre despenalização, descriminalização e legalização. Segundo Toffoli, é preciso considerar a conduta como um ato ilícito istrativo. Nesse sentido, as sanções já estariam previstas na lei, como programa ou curso educativo e a prestação de serviços à comunidade.
Ele acrescenta que foi o próprio Parlamento, em 2006, que não previu penas para os usuários e, portanto, já teria optado pela descriminalização. Nesse sentido, Toffoli defendeu a participação ativa do Congresso nas medidas relativas à política de repressão ao tráfico de drogas e ao tratamento dos usuários. O ministro ponderou, contudo, que os casos ainda devem ser tratados pela Justiça criminal.
Quantidade de maconha também está em discussão
Também entrou na discussão do STF a fixação de um critério objetivo para diferenciar o tráfico do porte e da produção para consumo próprio. Essa definição, atualmente, fica a critério das autoridades, mas é alvo de debates pela brecha para diferentes interpretações.
A linha mais crítica aponta que há discriminação por conta da condição social da pessoa pega com drogas e do local em que ocorrer o flagrante. Na tentativa de enfrentar esse ime, sete ministros defenderam que deve ser definido um limite de posse, entre 10g a 60g de maconha, e até seis plantas fêmeas, para diferenciar traficantes de usuários
O que diz a Lei de Drogas de 2006
De acordo com a lei em vigor, é crime de porte de drogas suscetível a penas alternativas, como medidas educativas, advertência e prestação de serviços, "comprar, portar ou transportar drogas para consumo pessoal" e que também pode ser punido com penas alternativas quem “semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade”.
Relator do processo, o ministro Gilmar Mendes defendeu há nove anos que a medida fosse estendida para todas as drogas. No entendimento dele, a criminalização compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar punição desproporcional principalmente em relação à distinção por classe social e cor da pele. Em 2023, porém, ele ajustou seu voto e o restringiu ao porte de maconha, seguindo a tendência que ou a se formar pela maioria até então formada na Corte.
Ofensiva no Congresso
Em outra frente, tramita na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de qualquer quantidade de drogas ilícitas no país. A proposta é considerada como uma ofensiva ao Supremo e já foi aprovada pelo Senado Federal.
Apresentada em 2023, a PEC insere na Constituição que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. O texto é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Votos dos ministros
No início do julgamento, ainda em 2015, o ministro Luís Roberto Barroso, que atualmente preside o STF, propôs a fixação de um critério objetivo da quantidade que deve distinguir o porte para consumo pessoal do que é para tráfico de drogas.
Isso porque, como a lei não faz essa distinção, a decisão sobre o que é considerado porte ou tráfico acaba sendo do policial que aborda ou do juiz que julga a apreensão.
O relator do recurso, ministro Gilmar Mendes, votou inicialmente para descriminalizar todas as drogas para consumo próprio, mas depois alterou para se restringir à maconha e aderiu à proposta do ministro Alexandre de Moraes de presumir como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham plantadas até seis plantas fêmeas.
Em seus votos, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e a ministra aposentada Rosa Weber também só trataram da maconha e entenderam que criminalizar o consumo pessoal afronta a autonomia individual do cidadão e aumenta o estigma que recai sobre o usuário, além de dificultar o tratamento de dependentes.
Então recém-chegado na Corte, em agosto de 2023, o ministro Cristiano Zanin foi o primeiro a se posicionar para manter a criminalização por considerar que isso contribuirá para agravar problemas de saúde relacionados ao vício. Posteriormente, André Mendonça e Kássio Nunes Marques seguiram esse entendimento.
A decisão mais conservadora de Zanin, inclusive, foi mal recebida por apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável pela indicação do magistrado. Zanin sugeriu, porém, fixar a quantidade máxima de 25 gramas para se diferenciar usuário de traficante.
Com o voto de Rosa Weber já declarado antes da aposentadoria, o ministro Flávio Dino, que assumiu o lugar dela em 22 de fevereiro, não terá direito a voto no julgamento.