BRASÍLIA – Com o voto do presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, o colegiado decidiu por unanimidade, nesta quarta-feira (26), tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e integrantes do seu governo réus por suposta tentativa de golpe de Estado após o resultado das eleições presidenciais de 2022.
Zanin seguiu o entendimento do relator do caso, Alexandre de Moraes, de que Bolsonaro e aliados cometeram cinco crimes, conforme denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) em fevereiro. Esse foi o mesmo posicionamento dos outros membros da Primeira Turma – Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Em seu voto, Zanin ressaltou que a denúncia da PGR “está longe” de ser sustentada apenas no acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O ministro afirmou que “há elementos a amparar” as acusações da PGR.
O procurador geral da República, Paulo Gonet, listou cinco crimes que os acusados teriam cometido. São eles: organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Além do ex-presidente, outras sete pessoas se tornaram réus no processo. São elas:
Ao ler o seu voto, Moraes seguiu a mesma linha de outras decisões que tomou ao longo do processo e concordou com os elementos apresentados na denúncia de Gonet.
Durante quase duas horas, o ministro ainda rebateu todos os argumentos das defesas dos acusados. ele apresentou provas colhidas pela Polícia Federal (PF), como trocas de mensagens entre os acusados, vídeos e documentos.
Moraes citou nesta quarta-feira que Bolsonaro buscou apoio de comandantes militares para a tentativa de golpe. Após a não adesão dos comandos do Exército e da Aeronáutica, o então presidente contatou o general Estevam Theóphilo, das Forças Especiais do Exército Brasileiro, os “kids pretos”.
Citando o documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Moraes disse que não há dúvidas sobre o conhecimento de Bolsonaro acerca da existência do documento: “Conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta de golpe”.
“Não há dúvida que Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta de golpe. As interpretações sobre o fato vão ocorreu durante a instrução processual penal. Se ele analisou e não quis, se analisou e quis, isso será analisou e não quis, se analisou e quis, isso será no juízo de culpabilidade. Mas não há dúvida e que ele tinha conhecido da minuta do golpe que foi apreendida”, ressaltou Moraes.
Ao fim do voto, o relator afirmou que as provas coletadas pela PF “já seriam suficientes” para caracterizar a justa causa da abertura de uma ação penal contra os oito denunciados pela PGR. Moraes destacou que as provas são corroboradas por todos os relatos colhidos pela investigação, não apenas pelo da colaboração de Mauro Cid. O relator votou pelo recebimento da denúncia na íntegra.
A Primeira Turma julgou nas sessões de terça (25) e quarta-feira (26) o chamado “núcleo crucial” da denúncia apresentada pela PGR, em 18 de fevereiro, contra o ex-presidente e outras 33 pessoas. O órgão dividiu os investigados em cinco grupos de atuação. O fatiamento é para facilitar o julgamento, permitindo a análise separada dos diferentes núcleos envolvidos.
Os integrantes do colegiado avaliaram se a acusação trouxe elementos suficientes para a abertura de uma ação penal contra os investigados. Agora, com a decisão unânime dos ministros, os acusados serão considerados réus e começará o trâmite de uma ação penal. O caso continua na Primeira Turma.
O processo judicial segue uma sequência de etapas destinadas a assegurar o contraditório e a ampla defesa. Inicialmente, ocorre a audiência de instrução e julgamento, onde são produzidas as provas testemunhais, periciais e documentais. Nessa fase, são ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, e há esclarecimentos de peritos, se necessário.
Depois, é aberto o prazo para as alegações finais, momento em que as defesas podem contestar as provas apresentadas pela PGR na denúncia e argumentar em favor da inocência dos réus. Após as alegações finais, o Supremo agendará a data para o julgamento dos acusados, onde será decidido se serão ou não condenados. Depois dessa fase, ainda cabe recurso.
Caso a acusação seja aceita e resulte em condenação, as penas somadas podem chegar a 43 anos e quatro meses de prisão em função de agravantes, como organização criminosa armada. De acordo com o Código Penal, uma pessoa não pode ficar privada de liberdade por mais de 40 anos. Quando uma condenação superar esse limite, as penas devem ser unificadas.
A investigação começou após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas. No decorrer da apuração, a Polícia Federal identificou elementos que indicavam a existência de um plano articulado para um golpe de Estado. Entre eles estavam:
Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
Investigações da PF mostram que Bolsonaro tinha conhecimento da operação chamada “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o uso de explosivos e veneno para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além do plano “Copa 2022”, que previa capturar Moraes.
Descrédito das urnas
A PF lista uma reunião realizada entre Bolsonaro e a cúpula do Poder Executivo, em julho de 2022, na qual ele teria convocado os integrantes do governo a agirem antes das eleições para disseminarem fake news sobre a lisura das urnas. O encontro aconteceu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.
A PF afirma que, no encontro, outros integrantes do governo, como o ministro da Justiça, Anderson Torres, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, do GSI, Augusto Heleno e o secretário-geral da Presidência em exercício, Mário Fernandes, propagaram mentiras sobre fraudes nas eleições.
Questionamento da lisura do processo eleitoral
O documento lista ainda a representação eleitoral apresentada pelo PL, após o segundo turno, com dados inconsistentes para questionar o resultado de mais de 200 mil urnas só no segundo turno. A PF aponta que o documento foi apresentado à Justiça Eleitoral com conhecimento de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
Carta dos oficiais
Os agentes federais também citam que tiveram ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. A investigação aponta que o documento teve a anuência do ex-presidente.
Minuta de golpe
Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “minuta do golpe”, com apoio do núcleo jurídico, que previa a ruptura institucional para impedir a posse de Lula. O documento havia sido impresso no Palácio do Planalto, sede do governo federal.
O arquivo, segundo os investigadores, determinava a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.
De acordo com a PF, Bolsonaro convocou uma reunião em dezembro de 2022 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta, buscando respaldo para um golpe de Estado. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a proposta, enquanto o da Marinha, Almir Garnier, demonstrou apoio.