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Moraes diz que Bolsonaro e aliados formaram ‘organização criminosa’ visando golpe de Estado
Relator da ação sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, Alexandre de Moraes defendeu que o ex-presidente e mais sete virem réus
BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes leu seu relatório a favor da abertura da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, na manhã desta terça-feira (25), dando início ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.
“A natureza estável e permanente da organização criminosa é evidente em sua ação progressiva e coordenada, que se iniciou em julho de 2021 e se estendeu até janeiro de 2023. As práticas da organização caracterizaram-se por uma série de atos dolosos ordenados à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito”, afirmou Moraes.
“A ação coordenada foi a estratégia adotada pelo grupo para perpetrar crimes contra as instituições democráticas, os quais não seriam viáveis por meio de um único ato violento. A complexidade da ruptura institucional demandou um iter criminis mais distendido, em que se incorporavam narrativas contrárias às instituições democráticas, a promoção de instabilidade social e a instigação e cometimento de violência contra os poderes em vigor”, completou Moraes.
Alexandre de Moraes citou todos os crimes atribuídos ao grupo e apresentou a descrição dos “fatos criminosos”, conforme denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em fevereiro, com base em investigação da Polícia Federal.
“A consumação do crime do art. 359-M do Código Penal (‘tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído’) ocorreu por meio de sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório. Esse propósito ficou evidente nos ataques recorrentes ao processo eleitoral, na manipulação indevida das forças de segurança pública para interferir na escolha popular, bem como na convocação do Alto Comando do Exército para obter apoio militar a decreto que formalizaria o golpe”, afirmou Moraes.
“A organização criminosa seguiu todos os os necessários para depor o governo legitimamente eleito, objetivo que, buscado com todo o empenho e realizações de atos concretos em seu benefício, não se concretizou por circunstância que as atividades dos denunciados não conseguiram superar — a resistência dos Comandantes do Exército e da Aeronáutica às medidas de exceção”, observou o relator do caso.
“Os denunciados também encadearam ações para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito. Minaram em manobras sucessivas e articuladas os poderes constitucionais diante da opinião pública e incitaram a violência contra as suas estruturas. As instituições democráticas foram vulneradas em pronunciamentos públicos agressivos e ataques virtuais, proporcionados pela utilização indevida da estrutura de inteligência do Estado”, ressaltou o ministro.
Moraes destacou ainda os sistemáticos ataques aos sistema brasileiro, que colocaram em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas, sem qualquer prova de irregularidade em qualquer eleição. Lembrou que a investigação da PF apontou o monitoramento de autoridades por parte dos acusados de tramar um golpe de Estado.
“O ímpeto de violência da população contra o Poder Judiciário foi exacerbado pela manipulação de notícias eleitorais baseadas em dados falsos. Ações de monitoramento contra autoridades públicas colocaram em risco iminente o pleno exercício dos poderes constitucionais. Os alvos escolhidos pela organização criminosa somente não foram violentamente ‘neutralizados’ devido à falta de apoio do Alto Comando do Exército ao decreto golpista, que previa expressamente medidas de interferência nos poderes constitucionais”, afirmou.
O relator disse que os atos de 8 de janeiro de 2023, com invasão e depredação às sedes dos Três Poderes, foram o ápice da série de eventos que visavam o golpe para manter Bolsonaro no poder.
“As ações progressivas e coordenadas da organização criminosa culminaram no dia 8 de janeiro de 2023, ato final voltado à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas. Os denunciados programaram essa ação social violenta com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e justificar um Estado de Exceção. A ação planejada resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados”, citou.
“Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos. A organização criminosa, por meio de seus integrantes, direcionou os movimentos populares e interferiu nos procedimentos de segurança necessários, razão pela qual responde pelos danos causados”, completou.
Em seguida, o ministro rebateu argumentos apresentados pelas defesas sobre o andamento do processo, como pedidos de impedimento e suspeição de ministros, além da alegação de práticas judiciais abusivas, como document dump, um termo em inglês para requisição de informações às defesas de forma exagerada.
O pronunciamento de Moraes foi o primeiro o no rito do julgamento, que começou às 9h45 – com 15 minutos de atraso – e envolve os seguinte acusados:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente
- Alexandre Ramagem Rodrigues, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa
O grupo é acusado de cometer crimes cujos as penas somadas podem chegar a 43 anos e quatro meses de prisão em função de agravantes. Confira a seguir os crimes e as penas para cada um:
- Organização criminosa armada: crime com pena prevista de 3 a 8 anos de prisão. Na denúncia, PGR cita um agravante que pode aumentar a sentença até 17 anos e quatro meses;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pena prevista de 4 a 8 anos de prisão;
- Golpe de Estado: pena prevista no Código Penal de 4 a 12 anos de prisão;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; pena prevista de 6 meses a 3 anos de prisão;
- Deterioração de patrimônio tombado: pena prevista de 1 a 3 anos de prisão.
De acordo com o Código Penal, uma pessoa não pode ficar privada de liberdade por mais de 40 anos. Quando uma condenação superar esse limite, as penas devem ser unificadas.
Bolsonaro diz que “espera justiça”
Pouco antes do início do julgamento, na manhã desta terça-feira, Bolsonaro afirmou que “espera justiça”.
“A gente sempre espera justiça. Eu estou bem. A gente sempre espera justiça. Nada se fundamenta nas acusações feitas de forma parcial pela Polícia Federal. Eu vou estar acompanhado dos advogados agora e depois a gente decide o que vai fazer”, declarou o ex-presidente ao desembarcar no Aeroporto de Brasília.
Bolsonaro estava em São Paulo e chegou a Brasília no início da manhã desta terça. Do terminal, ele seguiu para a sede do PL, na área central de Brasília. Após breve reunião com advogados, foi para o STF, onde assiste ao julgamento do caso na primeira fileira do plenário da Primeira Turma, entre dois dos seus defensores.
Além de Jair Bolsonaro, deputados federais aliados ao ex-presidente acompanham o julgamento no STF na manhã desta terça. No entanto, eles não puderam entrar no plenário da Primeira Turma, por falta de cadeiras. No espaço cabem 126 pessoas. Assentos foram reservados aos acusados, seus advogados, jornalistas e outras pessoas previamente credenciadas.
Ao serem barrados, os parlamentares bateram boca com policiais do Judiciário no térreo da Corte. Os deputados foram orientados a acompanhar a sessão em uma sala no quarto andar, por uma televisão. Entre eles estavam Zucco (PL-RS), Evair Vieira de Melo (PP-ES), Zé Trovão (PL-SC), Carlos Jordy (PL-RJ), Sargento Fahur (PSD-PR), Sanderson (PL-RS), Coronel Meira (PL-PE) e Maurício do Vôlei (PL-MG).
A definição da Primeira Turma
O STF analisa denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR). O julgamento da Primeira Turma começou na manhã desta terça-feira e vai até quarta-feira (26). Para que Bolsonaro e seus aliados se tornem réus, é necessária a maioria dos votos do colegiado. O grupo é formado por Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin (presidente).
A Primeira Turma julga nesta terça e quarta o chamado “núcleo crucial” da denúncia apresentada pela PGR, em 18 de fevereiro, contra o ex-presidente e outras 33 pessoas. O órgão dividiu os investigados em cinco grupos de atuação. O fatiamento visa facilitar o julgamento, permitindo a análise separada dos diferentes núcleos.
Os integrantes do colegiado avaliam se a acusação trouxe elementos suficientes para a abertura de uma ação penal contra os acusados. Se a denúncia for aceita pela maioria dos ministros, os acusados serão considerados réus e começa o trâmite de uma ação penal. O processo continua na Primeira Turma.
Os próximos os são o interrogatório dos réus e a oitiva das testemunhas. Em seguida, é aberto o prazo para as alegações finais, momento em que as defesas podem contestar as provas apresentadas pela PGR na denúncia e argumentar em favor da inocência dos réus. Após as alegações finais, o Supremo agendará a data para o julgamento dos acusados.
Outros julgamentos
O presidente da Turma, Cristiano Zanin, já marcou as datas dos julgamentos de outros dois núcleos. O julgamento do grupo de militares foi agendado para 8 e 9 de abril, enquanto o do núcleo apontado como responsável por elaborar um suposto plano de tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, está marcado para 29 de abril.
A denúncia
A investigação teve início após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas. No decorrer da apuração, a Polícia Federal identificou elementos que indicavam a existência de um plano articulado para um golpe de Estado. Entre eles estavam:
Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
Investigações da PF mostram que Bolsonaro tinha conhecimento da operação chamada “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o uso de explosivos e veneno para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além do plano “Copa 2022”, que previa capturar Moraes.
Descrédito das urnas
A PF lista uma reunião realizada entre Bolsonaro e a cúpula do Poder Executivo, em julho de 2022, na qual ele teria convocado os integrantes do governo a agirem antes das eleições para disseminarem fake news sobre a lisura das urnas. O encontro aconteceu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.
A PF afirma que, no encontro, outros integrantes do governo, como o ministro da Justiça, Anderson Torres, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, do GSI, Augusto Heleno e o secretário-geral da Presidência em exercício, Mário Fernandes, propagaram mentiras sobre fraudes nas eleições.
Questionamento da lisura do processo eleitoral
O documento lista ainda a representação eleitoral apresentada pelo PL, após o segundo turno, com dados inconsistentes para questionar o resultado de mais de 200 mil urnas só no segundo turno. A PF aponta que o documento foi apresentado à Justiça Eleitoral com conhecimento de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
Carta dos oficiais
Os agentes federais também citam que tiveram ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. A investigação aponta que o documento teve a anuência do ex-presidente.
Minuta de golpe
Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “minuta do golpe”, com apoio do núcleo jurídico, que previa a ruptura institucional para impedir a posse de Lula. O documento havia sido impresso no Palácio do Planalto, sede do governo federal.
O arquivo, segundo os investigadores, determinava a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.
De acordo com a PF, Bolsonaro convocou uma reunião em dezembro de 2022 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta, buscando respaldo para um golpe de Estado. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a proposta, enquanto o da Marinha, Almir Garnier, demonstrou apoio.