MÚSICA

Gustavito lança “Me Gusta!”, álbum que privilegia a leveza e delicadeza dos afetos

Nova levada de canções de amor e esperança nasceu do relacionamento romântico com a mentora em autoconhecimento feminino Camila Borenstain

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 06 de maio de 2025 | 06:00

Gustavito parece estar iniciando a carreira, pelo menos é assim que ele se sente. “É como se fosse meu primeiro álbum, embora já seja o meu oitavo”, diverte-se o músico, que atribui a sensação ao próprio perfeccionismo. “Finalmente não tenho nenhuma ressalva quanto ao resultado final de um trabalho meu”, declara.

O sentimento de plenitude refere-se a “Me Gusta!”, disco que ele acaba de colocar na praça, e cujo título exclamativo brinca com a alcunha do artista, ao mesmo tempo em que se vale de uma conhecida expressão em espanhol entre os brasileiros. “O batismo do álbum veio como um trocadilho com meu próprio nome, mas trazendo também esse sentido que se relaciona com a temática das músicas, do gostar e do gostoso. Acredito que, esteticamente, alcançamos um álbum muito gostoso de se ouvir”, aposta o compositor.

Ao longo das oito faixas do lançamento, o afeto dá as cartas. Apenas a que abre-alas, “Dona Zica” (de André Miranda), não é assinada pelo anfitrião. Juliana Linhares, Paloma Del Cerro e Tainá são convidadas em “Saudade”, “El Fuego Danza” e “E Se Vier”, respectivamente, esta última em parceria com Camila Borenstain, que também ajudou a compor “Ela Vem pra Dançar” e “Nanaê”, encerrando o álbum.

O romance de Gustavito com a mentora em autoconhecimento feminino embalou a nova levada de canções. “Meus álbuns costumam refletir uma determinada fase da minha vida. As músicas que compõe ‘Me Gusta!’ foram todas escritas durante a fase inicial de meu relacionamento com a Camila, com exceção de ‘Dona Zica’, que é a única que não foi escrita por mim”, pontua ele, antes de discorrer sobre a “essência criativa” das baladas.

Paixão cinematográfica

Segundo Gustavito, a recente lavra foi gerada durante “um momento de paixão cinematográfica, onde tudo parecia ser envolvido por uma ‘sagrada utopia’”. “Ainda estávamos ando pelo final da pandemia e o nosso mundo parecia estar renascendo a nível pessoal e também coletivo com a volta do convívio presencial, e tudo isso me deixou muito inspirado”, desembocando no repertório que retrata as diversas fases desse relacionamento amoroso.

Se o “amor à primeira vista” comparece em “Camila”, o pedido de namoro ganha a poesia de “Estrela Guia”, e o “momento de negação” é elaborado com “Saudade”. Em seguida, vieram as músicas em parceria com Camila. Madrinha do casal, Carina Zancheta foi a musa inspiradora de “Ela Vem pra Dançar”. Ainda na barriga da mãe, Kael, filho da amiga Julia, inspirou “Nanaê”, também feita para “as futuras gerações ou o filho que nunca tivemos”, conta Gustavito.

O relacionamento com Camila chegou ao fim antes do lançamento do disco. No entanto, ainda houve tempo para que ela o presenteasse, no aniversário, com o poema que emoldura a romântica “E Se Vier”, quando eles oficializaram a relação. Para completar, Camila participa do dueto vocal em “Ela Vem pra Dançar”, que ganhou clipe gravado em Portugal, e mistura ritmos da música nordestina como forró, xaxado e maracatu, outra influência do artista nascido em Minas Gerais e cofundador de blocos do Carnaval de Belo Horizonte como Então, Brilha! e Pena de Pavão de Krishna.

“Minhas raízes mineiras estão bem expressas na minha maneira de compor. Em especial algumas harmonias e melodias desse álbum trazem essa marca. Especificamente a canção ‘Camila’, que é minha predileta, foi inspirada em ‘Resposta’”, diz Gustavito, ao mencionar o hit do Skank, composto por Samuel Rosa e Nando Reis.

Atmosfera

“Me Gusta!” foi produzido no ano em que Gustavito perdeu o pai, o que coincidiu com a turnê de despedida dos palcos de Milton Nascimento, um de seus ídolos da infância. “Eu não consegui ir ao show, mas, naquele ano, escutei Bituca como nunca, então estava sempre envolvido por essa atmosfera da música mineira”, afiança. A “sanfona cantante” de Cosme Vieira é outro ponto que ele destaca na elaboração do disco.

“Quem é mineiro sabe que aqui é terra de muito forró também!”, garante. A imagem da capa, com um Gustavito ao longe, posicionado entre a limpidez do céu e a aridez plácida das areias, foi captada em Portugal pelas lentes da portuguesa Ana Marta Dias. “Portugal está presente em minha vida há muitos anos, algumas das canções do disco têm o histórico de haverem sido cantadas muitas vezes em minhas agens por lá, o público português é muito carinhoso comigo”, agradece Gustavito.

Para ele, “o ofício de criar de canções” não reza em nenhuma cartilha. “Em geral tenho muita facilidade de criar melodias no violão e começo por aí a maior parte das vezes, e quase sempre que acontece algum evento marcante na minha vida, que justifique a inspiração para uma letra, nasce uma canção”, conta. Outras “nascem quase de brincadeira”, como as que ele faz de presente para os amigos. “Muitas vezes são as que o povo mais gosta!”, diverte-se.

“O compositor deve exercitar a criatividade de todas as formas possíveis, partir da letra, da melodia, da harmonia, fazer parcerias, explorar novos territórios musicais, tudo isso ajuda muito a desenvolver a composição. Já compus de maneira totalmente espontânea, sem o violão, apenas cantando a letra que veio no momento, o que alguns chamam de ‘receber’ uma canção, ou seja, um processo bem intuitivo onde a música chega praticamente pronta, assim como outras canções nasceram de um processo de lapidação de vários meses”, diferencia o cantor.

Espiritualidade e natureza

Gustavito nunca escondeu a presença da espiritualidade em suas criações artísticas, o que, dentro do seu sentir, “anda de mãos dadas com a natureza”. “Tanto pela compreensão intuitiva que temos do que é o divino ao se conectar ou perceber a natureza, quanto pelo fato de que espiritualidade, pra mim, é sinônimo de respeito a todos os seres”, avalia.

Ele considera que “um dos grandes erros da humanidade é enxergar-nos como separados da natureza”. “Minha composição, ao longo dos anos, foi sendo cada vez mais influenciada por essa visão de mundo, que propõe uma mudança de paradigma em todas as formas de se relacionar, ampliando esse conceito em todas as direções”, afirma. O resultado foi que “leveza e fluidez” se tornaram preponderantes em sua obra. 

“Sinto que o mundo já está tenso demais, e minha expressão natural acaba sendo esta. A humanidade a por um processo ambíguo e contraditório, em que a violência e as desigualdades se acentuaram, mesmo com avanços em diversas áreas do conhecimento que poderiam minimizar esses problemas”, reflete. O artista vê “com extremo pesar o avanço da extrema direita, das guerras e da xenofobia” ao redor do mundo.

“Para mim, isso tem relação direta com a forma como as pessoas estão se relacionando. Está todo mundo ansioso, disperso, tem muita gente com depressão, sofrendo num mundo de aparências, que, sem a gente perceber, acaba reforçando valores que estimulam o sistema capitalista e toda uma rede de injustiças”, analisa ele.

Gustavito prefere andar na contramão de todo esse processo, apontando uma direção contrária. “A leveza dos temas deste álbum, que não trata de nada disso, mas de um universo simples de afeto, também tem seus níveis de profundidade, e busca trazer, para quem ouve, um respiro em meio ao desvario do mundo, num convite para dançar e sentir emoções de entusiasmo e alegria sem futilidade, pois é disso que as pessoas estão precisando”, conclui, já projetando os shows em festivais do Brasil e de Portugal.