O DELATOR

Advogado de Mauro Cid pede ao STF que ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não se torne réu

Advogado de Mauro Cid utilizou apenas três minutos e 40 segundos dos 15 minutos disponíveis, dedicando um minuto para elogiar os ministros e o procurador-geral

Por Lara Alves I Fransciny Ferreira
Atualizado em 25 de março de 2025 | 12:29

BRASÍLIA — Resguardada pelo conteúdo da delação premiada, a defesa do ajudante de ordens Mauro Cid insistiu nesta terça-feira (26) no pedido de absolvição sumária do tenente-coronel quanto à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O criminalista Cezar Bittencourt, responsável pela defesa de Mauro Cid desde agosto de 2023, repetiu os argumentos apresentados ao STF no último 6 de março. Durante a sustentação oral na sessão do tribunal, utilizou apenas três minutos e 40 segundos dos 15 minutos disponíveis, dedicando um minuto para elogiar os ministros e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

"Não temos muita coisa para falar sobre o Cid. Apenas destacar a sua dignidade e grandeza, e dizer que a participação dele nos fatos foi como testemunha e intermediário. E as circunstâncias o colocaram nessa situação de delator. Como assessor do ex-presidente, ele tinha conhecimento dos fatos", declarou.

Ainda em sua fala, Bittencourt reforçou que não havia necessidade de apresentar argumentos perante o Supremo, mas sim destacar que o Cid fez a colaboração premiada e que "apenas serviu à Justiça e trouxe sua parcela de contribuição para orientar e informar (no processo)".

"Ele cumpriu com o seu dever (delator), tem o direito de receber o que merece e que já está sendo concedido. Dessa forma, nós sustentamos rapidamente, dizendo que esperamos a recusa do recebimento da denúncia contra ele. E, dessa forma, nós não ocuparemos mais espaço", finalizou o advogado.

A Primeira Turma da Corte decide, até quarta-feira (26), se tornará réus os indiciados pela Polícia Federal (PF) e denunciados pelo procurador-geral Paulo Gonet Branco por participação em um suposto plano para dar um golpe de Estado. Entres eles, Jair Bolsonaro. 

Na defesa preliminar enviada ao tribunal no início do mês, os advogados reafirmaram a validade do acordo de colaboração premiada e negaram que o militar tenha sido coagido ou ameaçado durante os depoimentos. Quanto à participação de Cid no plano, argumentou que o tenente-coronel não pode ser acusado porque obedeceu ordens e cumpriu sua função no governo Bolsonaro.

Quem é Mauro Cid?

Ajudante de ordens e braço-direito de Bolsonaro em seu mandato na presidência da República, Mauro Cid é peça-chave no inquérito da Polícia Federal (PF) e na denúncia da PGR contra os 34 indiciados por cinco crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Figura recorrente nas reuniões de Bolsonaro com aliados e ministros de Estado e curador dos compromissos do presidente, Cid assinou um acordo de colaboração premiada e revelou à investigação conversas, ligações e articulações que implicam o ex-presidente na tentativa de golpe de Estado.

Tenente-coronel do Exército, Mauro Cid é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid. O cerco começou a se fechar em torno do ajudante de ordens em maio de 2023, quando a Polícia Federal identificou que ele fraudou os cartões de vacinação de Jair Bolsonaro e de parentes do ex-presidente, e a Justiça decretou a prisão dele.

Ele seguiu no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília, até setembro, quando a Justiça homologou o acordo de delação premiada.  A soltura não perdurou, e em março de 2024, Cid retornou à prisão após a revista Veja divulgar áudios em que ele declara que a PF o coagiu a mentir nos depoimentos prestados.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, permitiu a soltura dele em maio. A delação de Cid o implica na fraude dos cartões de vacinação, no roubo das joias sauditas e no inquérito da tentativa de golpe de Estado.

O que diz a denúncia da PGR contra Mauro Cid?

A inserção de Mauro Cid no rol dos denunciados pela PGR ao Supremo Tribunal Federal é ilustrativa; com o acordo de delação premiada homologado, o ajudante de ordens terá benefícios, que ainda serão validados pela PGR e pelo próprio STF. 

Se confirmada a efetividade da colaboração premiada, Cid encerrará o julgamento e sairá do STF pela porta da frente, sem condenações. O acordo prevê que ele receba perdão judicial ou uma pena máxima de dois anos; parte cumprida nas prisões preventivas implicadas a ele durante a investigação. 

Os bens recolhidos de Cid ainda serão restituídos a ele, e os benefícios judiciais estendidos ao pai, à mulher e à filha dele.  A delação do militar chegou a ser contestada, e Cid por pouco não perdeu os prêmios previstos no acordo. O tenente-coronel enfrentou alegações de descumprimento das cláusulas estabelecidas, incluindo omissões e contradições em seus depoimentos. 

Em março de 2024, os áudios publicados pela Veja resultaram na prisão preventiva dele, sob acusação de descumprimento de medidas cautelares e obstrução de justiça. Ele foi libertado em maio do mesmo ano, sob medidas cautelares, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica e restrições de comunicação.

Posteriormente, em novembro de 2024, a PF indicou que o militar havia omitido informações cruciais sobre planos, o que ameaçou comprometer a validade do acordo. Um desses planos foi identificado, por meio de mensagens recuperadas do celular de Cid, como o "Punhal Verde e Amarelo".

Após uma audiência de três horas conduzida por Alexandre de Moraes, o tenente-coronel prestou esclarecimentos adicionais, que foram considerados suficientes pelo ministro para garantir a manutenção da colaboração premiada. Esse ponto também é questionado pelas defesas.

A denúncia da PGR pede ao Supremo Tribunal Federal a condenação de Mauro Cid pelos crimes:

  • Organização criminosa armada: crime com pena prevista de três a oito anos de prisão. Na denúncia, PGR cita um agravante que pode aumentar a sentença até 17 anos e 4 meses de prisão;
  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pena prevista de 4 a 8 anos de prisão;
  • Golpe de Estado: pena prevista no Código Penal de 4a 12 anos de prisão;
  • Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; pena prevista de 6 meses a 3 anos de prisão;
  • Deterioração de patrimônio tombado: pena prevista de um a três anos de prisão.

Sem a colaboração premiada, o STF poderia condenar Mauro Cid, após o processo legal, a pelo menos 12 anos e 6 meses de prisão. A condenação máxima poderia chegar a 43 anos e quatro meses.

Início do julgamento do primeiro núcleo

A Procuradoria-Geral da República (PGR) dividiu a denúncia do golpe de Estado em cinco núcleos a partir da atuação dos indiciados na trama golpista identificada pela Polícia Federal (PF). Nesta terça-feira (25), o STF começou o julgamento da denúncia do primeiro grupo. Compõem o chamado “núcleo crucial”:

  • Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro;
  • Almir Garnier, almirante durante o governo Bolsonaro;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro;
  • Alexandre Ramagem, deputado federal e presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gestão Bolsonaro;
  • Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro;
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro;
  • Walter Braga Netto, candidato à vice-presidência na chapa de Bolsonaro em 2022; foi ainda ministro da Defesa e da Casa Civil durante o governo Bolsonaro.

O núcleo 1 é considerado a peça-central do plano. A PF identificou uma atuação estratégica do grupo na tomada de decisões e nas principais ações na tentativa de golpe. Até quarta-feira (26), a Primeira Turma do STF, com Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux, decidirá se tornará os oito réus pelos crimes apontados pela PGR. 

Outros julgamentos

O presidente da Turma, Cristiano Zanin, já marcou as datas dos julgamentos de outros dois núcleos. O julgamento do grupo de militares foi agendado para 8 e 9 de abril, enquanto o do núcleo apontado como responsável por elaborar um suposto plano de tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, está marcado para 29 de abril.