BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Paulo Gonet, reforçou nesta terça-feira (25) os argumentos apresentados em sua denúncia contra os atores apontados pela suposta tentativa de golpe de Estado. O procurador repetiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o general Walter Braga Netto foram líderes de uma organização criminosa que atuou no país.
“Todos aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra a existência e independência dos Poderes e Estado Democrático de Direito”, disse o procurador.
Gonet falou na sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa a denúncia oferecida contra 34 pessoas por cinco crimes na suposta tentativa de golpe de Estado. Entre os nomes, estão o de Jair Bolsonaro e o do ex-ministro Walter Braga Netto. O documento foi enviado ao STF em 18 de fevereiro.
O PGR citou que, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou elegível em 2021, "foram postos em prática planos articulados para a manutenção, a todo custo, para manutenção do então presidente da República”. A partir daí, segundo ele, houve a estratégia de espalhar informações "falsas e mirabolantes" em lives realizadas para desacreditar o sistema eletrônico de votação.
Gonet também citou que em uma reunião ministerial em julho de 2022, meses antes da eleição presidencial, Bolsonaro e seus aliados citaram o "uso da força como método a ser implementado". Ele afirmou que essa e outras ações estimularam o golpe pelo grupo denunciado, como notas oficiais a favor da liberdade de expressão assinadas depois da derrota de Bolsonaro.
Uma delas, em novembro de 2022, teve o objetivo de "dar aos militantes a aparência de que as Forças Armadas acolhiam e incentivavam os acampamentos espalhados pelo país, onde se pedia intervenção militar ou intervenção federal, eufemismos para ruptura, pela força, do regime constitucional, vale dizer: ‘golpe’".
"O intuito era o de manter a militância apaixonada e disposta a aceitar soluções de violência contra a ordem constitucional", frisou o PGR. Os meses de novembro e dezembro, de acordo com Gonet, foram "atordoantes" na condução da "execução de atos de essência golpista criminosa".
Gonet também destacou que o planejamento de um golpe, ainda que não seja consumado, constitui crime. E, em sua fala, Gonet destacou que o último ato foi o "teatro do golpe em 8 de janeiro de 2023", quando nomes da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal que integraram o governo Bolsonaro "facilitaram o movimento insurrecionista, violento, que depredou as sedes dos Três Poderes".
"Quando um presidente da República, que é a autoridade suprema das Forças Armadas, reúne a cúpula dessas Forças para expor planejamento minuciosamente traçado para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso que apenas ainda não foi consumado em toda a sua potencialidade danosa. O mesmo se dá, como aconteceu, quando o ministro da Defesa expõe plano de golpe às três maiores autoridades militares das Forças Armadas".
Nessa etapa, a Primeira Turma da Suprema Corte analisa se aceita ou não a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Integram o colegiado os ministros Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia, Cristiano Zanin (presidente), Flávio Dino e Luiz Fux.
Se a denúncia for aceita, os acusados se tornarão réus pela suposta tentativa de golpe de Estado. Nesse caso, eles am a ser alvos de uma ação penal que seguirá ritos como coleta de provas e contestação pelas defesas. Se a denúncia for recusada, o caso será arquivado.
O julgamento que começou nesta terça-feira (25) engloba o primeiro de cinco núcleos denunciados pela PGR. Este é o chamado “núcleo crucial” do esquema e conta com nomes políticos como o de Jair Bolsonaro e que atuavam no entorno do ex-presidente, como Braga Netto.
São citados, ainda, ex-ministros do governo Bolsonaro, como Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa). Outro nome é o do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos
Estão no núcleo, ainda, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro, e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem. Denúncias contra outros grupos, com nomes de militares e civis, ainda serão julgadas pela Primeira Turma.
A denúncia foi embasada pelo indiciamento feito pela Polícia Federal (PF) em novembro do ano ado. A investigação teve como peça-chave a delação premiada de Mauro Cid e outros materiais que revelaram o suposto esquema, como manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens.
Agentes da PF apontaram que Bolsonaro e Braga Netto lideravam, juntos, uma organização criminosa que operou no país. Eles aparecem como atores de uma quadrilha que usou “violência e grave ameaça para impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito”.
Gonet montou uma linha do tempo e afirmou que houve uma “trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas”. Isso, a partir de 2021, com ataques sistemáticos ao sistema eletrônico de votação conduzidos pelo grupo aliado de Bolsonaro.
O PGR citou também nos autos do processo a reunião articulada pelo ex-presidente com embaixadores em julho de 2022, antes do início da campanha eleitoral, para divulgar informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Esse, inclusive, foi um dos motivos de Bolsonaro ser considerado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Lembrou ainda operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições, em outubro do mesmo ano, para “dificultar o o tempestivo dos eleitores” em zonas eleitorais que historicamente votavam em sua maioria no adversário de Bolsonaro, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo o PGR, a organização criminosa pressionou o comando do Exército para impedir a posse de Lula, que tinha vencido as eleições. A denúncia cita que "foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional”.
“O presidente da República à época [Bolsonaro] chegou a apresentar uma delas, em que se cogitava da prisão de dois ministros do Supremo Tribunal Federal e do presidente do Senado Federal [Rodrigo Pacheco]. Mais adiante, numa revisão, concentrou a providência na pessoa do ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral [Alexandre de Moraes]”, disse.
O PGR continuou: “O ministro da Defesa [Paulo Sérgio Nogueira] também reuniu os comandantes militares para lhes propor ato consumativo de golpe, obtendo a adesão do comandante da Marinha [Almir Garnier Santos] e a recusa dos comandantes das outras duas Armas”.
A peça enviada ao STF destaca que a trama “itia até mesmo a morte do presidente e do vice-presidente da República eleitos”, em referência a Lula e ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), “bem como a de ministro do STF”, em referência a Alexandre de Moraes. “O plano teve anuência do então presidente da República”, completou, sobre Bolsonaro.
Gonet destacou que os atos de 8 de janeiro de 2023 foram a última tentativa de consumação do suposto golpe. "A organização incentivou a mobilização do grupo de pessoas em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, que pedia a intervenção militar na política. Os participantes fizeram o percurso acompanhados e escoltados por policiais militares do DF [Distrito Federal], invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes".